terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

FanFic: Lição de ternura (+18)


Autora: Laura Ochoa


Sinopse:


Anahi tem Artrite ,Michael um Esportista ,Anahi não pensava que uma simples ida a uma festa nascesse um Sentimento tão forte o Amor uma verdadeira Lição de ternura, juntos irão passar por fazes difíceis e aprender que temos que viver a vida agora.




Capítulo 01


Michael jackson saiu do chuveiro no hotel bem à tempo de ouvir o noticiário esportivo da rede WWL, canal quatro.


"- A agitação é geral aqui em Nova Orleans para a grande final de futebol americano - o repórter anunciava - E não faltam especulações sobre o time que conquistará o título de campeão este ano, se a ofensiva dos Cowboys ou a defesa acirrada dos Bengals...


Enquanto enxugava com vigor os cabelos de um tom escuro de castanho, michael tentava convencer-se de que, afinal, havia sido melhor que seu time, Memphis Maraudes, não tivesse chegado à final naquela temporada.
A expectativa pelo jogo, a partida em si e a volta à realidade depois da vitória ou da derrota eram desgastantes demais. Mesmo os jogadores mais jovens sofriam com a tensão.


- Os dois times entrarão em campo sem nenhum dos titulares contundidos...


michael enxugava o peito quando a menção do trio infernal chamou sua atenção. Ele não resistiu à curiosidade de se ver na televisão.


- Três rapazes que dispensam apresentação. Em campo, eles são conhecidos como os Infernais, um trio certamente tempestuoso.


Nu e descalço, michael foi para quarto assistir à entrevista que havia concedido juntamente com seus dois companheiros de equipe.


- Como vocês vão se sentir no domingo ao assistir à batalha entre Cowboys e os Bengals? Se alguém por acaso não os conhece, estes são Christian chavez, christopher e o Malando Irlandês em pessoa ,Michael Jackson.


Foi Christian quem respondeu à pergunta do repórter.


- Vou me sentir realmente muito bem no domingo vendo os Cowboys e os Bengals se massacrarem em vez de os massacrados sermos eu e meus companheiros.


- Mas é bom lembrar - Christopher, de pele clara e cabelos negros, ressalvou - que o Memphis Maraudes fez uma campanha...Posso dizer...- ele o cochichou a palavra ao ouvido de Christian - ...Na televisão?


O outro respondeu negativamente com a cabeça.





- Bem, chutamos um bocado de b...


Christian interveio a tempo com a tossida.
- Chutamos um bocado de traseiros - Christopher corrigiu, provocando o riso da equipe de filmagem.


Michael jackson ria enquanto amarrava a toalha na cintura. Foi sua imagem na tela quem salvou a situação hilariante.
- O que meu companheiro está querendo dizer é que tivemos uma boa campanha e não há por que nos envergonharmos.


- Não há como contestar isso - o repórter concordou - Com um quarto zagueiro que já foi campeão, michael, que tipo de pressão os beques dos Cowboys e dos Bengals estão sofrendo hoje?


- Muita. Assim como os demais integrantes do time. Todos estão tentando colocar a cabeça no lugar, para evitar o menor erro no domingo.


- Os dois times estão em pé de igualdade? - a pergunta se dirigia a michael.


- Eu diria que sim. A equipe de Dallas conta com a experiência; enquanto a de Cincinnati, com a garra de jogadores novos. Deve ocorrer uma disputa palmo a palmo até o final.


- Agora a pergunta que todos fazem - o repórter anunciou, finalizando a entrevista: - quem vencerá no domingo?




- Essa, caro amigo - michael sorriu - é uma pergunta fácil de responder. Vencerá o time que marcar mais pontos."


Vendo-se no vídeo, michael balançou a cabeça, divertido, logo, porém, o sorriso morreu em seus lábios. Quem era ele, afinal? O homem bem-humorado que há pouco vira na televisão?


Sua imagem revelava o glamour de uma carreira de grande projeção, sobretudo no que se referia às mulheres, no entanto, no fundo não passava de um produto da mídia. No íntimo, michael ainda se sentia o garoto pobre e cheio de inseguranças do Canal Irlandês, um bairro humilde de Nova Orleans. Só que os temores da infância haviam cedido lugar às incertezas de um profissional veterano num meio de jovens.
Preocupado com a idade, mantinha o físico em forma através de exercícios intensivos e mega doses de vitamina. Afligia-o estar com trinta e cinco anos e não ter nenhuma carreira alternativa. Dedicava a vida ao esporte.




Preocupava-o também uma incômoda sensação de vazio. Temia acordar um dia e se descobrir sozinho num mundo indiferente. Não era isso que desejava. Estava cansado das mulheres que entravam e saíam de sua vida, numa sucessão indistinta de noites partilhadas. Por outro lado, ainda não encontrara uma que lhe despertasse um sentimento especial. Nenhuma até então tinha conseguido chegar até sua alma. Pior ainda, nenhuma mostrara interesse em conhecê-lo a fundo, nem mesmo a ex-esposa.


michael riu amargurado. Seria o telefonema de lisa, naquela manhã, a causa da depressão que o perturbava o dia todo?
Depois de três anos de separação amigável, ela pretendia casar-se novamente. Com toda honestidade, concluiu que não tinha sido a notícia que o abalara, mas sim a consciência do vazio interior.
Sentia-se muito só. Muito sentimental! E precisava sair urgentemente desse estado de autocomiseração.


Ao consultar o relógio constatou que era mais tarde do que imaginava. Havia perdido a noção do tempo enquanto se exercitava no salão de ginástica do hotel. Se não se apressasse, perderia a festa em antecipação à final do campeonato.


Se bem que não perderia grande coisa... O desânimo ameaçava voltar quando o telefone tocou, interrompendo o curso de seus pensamentos.


- Alô?


- Oi, malandro, por acaso viu aqueles bonitões no noticiário das seis? - Era Christian.


- Vi, sim. Dois deles eram bem apessoados, concordo, mas o outro, o de cabelo colorido... Parecia ter caído de uma árvore de cara no chão.


- Eu o lembrarei disso na próxima vez que houver apenas esse sujeito entre você e o Super-Homem - ele se referia a William Perry, atacante do Chicago Bear, um verdadeiro gigante de mais de dois metros de altura.


- Deixaria realmente um amigo ser massacrado em campo? - michael reprimia o riso. - Quer dizer que vocês, beques, tentam dirigir Chevy Novas, certo? Seja como for, a carona está garantida. Isto é, se não se sentir humilhado por andar ao lado de um verdadeiro jogador de rúgbi.


Após nova troca de provocações, combinaram horário de partida. michael desligou o telefone com Christian gritando em seu ouvido:
- Festa! Festa! Festa!


Um sorriso se esboçou nos lábios do quarto zagueiro. Uma festa era exatamente do que precisava para dissipar a melancolia.


****


"Vou me atrasar para a festa", pensou Anahí Giovanna Puente enquanto se sentava cuidadosamente diante da penteadeira, reprimindo uma careta de dor.
O motivo de seu atraso era simples. Estimava-se que cerca de 120 milhões de pessoas assistiriam à final de futebol no domingo. Uma verdadeira multidão invadira Nova Orleans... Congestionando o trânsito no percurso entre o consultório do médico e a casa dela.


O consultório do médico... No fundo, era um alívio para Anahí ter de se arrumar às pressas. Assim não lhe sobrava tempo para pensar na notícia que recebera do Dr. Straton. Embora não fosse inesperada, a havia chocado do mesmo jeito.


Para ajudar a combater o nervosismo e romper o silêncio opressivo da casa, apanhou o aparelho de controle remoto e ligou a televisão. Começava o noticiário do canal quatro.


-...E não faltam especulações sobre o time que conquistará o título de campeão este ano...


Anahí ouviu distraidamente o repórter enquanto se maquiava.


-...Se a ofensiva alegre dos Cowboys ou a defesa acirrada dos Bengals...


Realçando os olhos azuis, cobriu os lábios com um batom rosado que combinavam com a pele alva. Em seguida, penteou os cabelos loiros, e ajeitou-os melhor com os dedos. -...Os dois times entrarão em campo sem nenhum dos titulares contundidos...


- ...Três rapazes que dispensam apresentação. Em campo, eles são conhecidos como Os Infernais, um trio certamente tempestuoso.


O bom humor dos entrevistados chamou a atenção de Anahí. Dos três homens na tela, um tinha cabelo azul e uma cara de sarrista; o outro, de pele clara e cabelos escuros, e uma carinha de bebê que provavelmente enlouquecia muitas mulheres; o terceiro, um moreno forte e atraente. Ao vê-lo sorrir, ela o classificou como terrivelmente atraente.


- Agora a pergunta que todos fazem: quem vencerá no domingo?


Um sorriso maroto se desenhou nos lábios de Michael jackson, e Anahí se viu à espera da resposta, embora não se interessasse por futebol.


- Essa, meu caro amigo - o sotaque irlandês era deliberadamente carregado - é uma pergunta fácil de responder. Vencerá o time que marcar mais pontos.


Anahí sorriu não tanto pelo gracejo quanto pelo sorriso contagiante em close de Michael jackson.
- Muito bem pessoal, vocês acabaram de assistir a uma entrevista exclusiva para a WWL - o repórter finalizou - Obrigado, rapazes, e..."


O toque do telefone assustou Anahí, dissipando seu encantamento pelo jogador de futebol. Aliás, ela deixara de lado o interesse por homens há muito tempo... Exatamente dez anos.


Apoiando as mãos na penteadeira, Anahí se ergueu com dificuldade. Uma dor aguda percorreu sua perna esquerda, obrigando-a a fechar os olhos para reprimir as lágrimas. Só não conseguiu conter o suor que brotava na testa. Apoiando-se na bengala, andou até o telefone.
- Alô?


- Vou me atrasar - uma voz feminina informou sem rodeios - Tive de atender um paciente na última hora.


- Não se preocupe, também estou atrasada.


- Ainda bem. Devo chegar aí em meia hora.


- Estarei pronta. Até logo.


Ao desligar o telefone, Anahí imaginou o que o Dr. Straton diria se soubesse que iria a uma festa, apesar da recomendação de repouso.


Entretanto, não podia deixar de comparecer. Fazia parte do seu trabalho. Mayte Perroni era de estatura mediana e esbelta, com cabelos negros cortados chanel. Os olhos, igualmente pretos, destacavam-se no rosto de pele clara.


- Foi ao médico hoje? - Mayte perguntou enquanto dirigia pelo trânsito intenso com a impaciência. Rumavam para o sofisticado bairro dos Jardins.


- Sim - Anahí confirmou, segurando-se na porta quando a amiga cortou um caminhão para trocar de pista. - Não viu o caminhão? - Claro que sim. Senão teria batido nele. - Sem a menor pausa, Mayte acrescentou:
- O que ele disse?


- Nada, mas só o olhar mataria...


- Refiro-me ao médico.


A imagem dos raios X iluminados numa tela voltou à mente de Anahí. Para ela, não passavam de um aglomerado bizarro de sombras que não sabia interpretar, embora pudesse prever o que revelavam. A dor e a imobilidade crescente no quadril a obrigavam a se apoiar numa bengala, apontando para um único diagnóstico plausível: a artrite havia destruído a junta de sua bacia, apesar da cirurgia que lhe deixara uma cicatriz acima da coxa direita.


A idéia de uma nova operação lhe trazia lampejos de pânico. Sentia-se presa numa armadilha sem escapatória. Procurou, contudo, afastar a sensação. Tudo acabaria bem, como sempre. Além do mais, era uma mulher forte. Tinha de ser.


- Ele disse que preciso de uma nova cirurgia - finalmente respondeu, sem deixar que os sentimentos transparecessem na voz.


Houve um momento de hesitação em que Mayte sufocou ímpeto de dizer o quanto lamentava a situação. Esse tipo de comentário aborreceria a amiga.
- Você já esperava por isso, não?


- Sim.


- Precisa de uma prótese no quadril, é isso?


- Exatamente.


- Quando será a cirurgia?


- Não antes de terminar o projeto do hotel-fazenda.


Mayte virou bruscamente a cabeça.
- Mas isso é só em...


- Poderia, por favor, olhar para frente?


- meados de abril - Mayte concluiu, voltando a atenção para o tráfego congestionado.


- Tem razão.


Desta vez Mayte não hesitou em expressar o que tinha em mente:
- Está louca menina? - Por quê? - Anahí sorria com cinismo. - Ouviu algum boato a respeito?


- Não banque a engraçadinha comigo. O lado profissional da fisioterapeuta veio à tona. - O assunto é sério. Se você sente dor agora, daqui a três meses...


- Vou até o fim com meu trabalho. - O tom categórico não dava margem à objeção.


A reação de Mayte fora idêntica à do Dr. Straton, embora ele soubesse apenas que sua paciente estava envolvida num projeto que não podia delegar a outra pessoa. Anahí não tinha entrado em detalhes.
Não contara, por exemplo, sobre o trabalho voluntário que desenvolvia na Fundação de Pesquisas sobre Doenças Reumáticas, em paralelo à administração de uma agência de viagens especializada no atendimento a deficientes físicos.
No momento, ela se empenhava em convencer empresários de Nova Orleans a patrocinar uma semana num hotel-fazenda no Texas para crianças artríticas. Depois de tanto esforço, recusava-se a desapontar fosse o empresariado já comprometido com o programa ou a fundação e muito menos a garotada. Faltavam dez semanas para o evento e havia trabalho a perder de vista. Nada, nem mesmo sua dor, a impediria agora.


No final, o Dr. Stratton se conformara em fazer o máximo ao seu alcance: havia receitado um forte analgésico e recomendado muito repouso, lembrando que a artrite reumática progredia com o estresse e a hiperatividade.


- Além do mais - Anahí completou -, preciso do dinheiro para a operação. - Tratava-se de outro aspecto que ela não mencionara ao médico.


-Se o problema é dinheiro...- Mayte começou, mas se interrompeu em seguida diante do olhar fulminante da amiga. - Está bem, está bem! - Ela ergueu o olhar para o céu e suplicou: - Oh, misericordioso Senhor, perdoe-me pelo terrível pecado de oferecer ajuda a uma amiga.


Anahí sorriu.
- Um dia desses, Anahí Giovanna, esse seu teimoso senso de independência vai metê-la numa grande encrenca.


O sorriso de Anahí se dissipou, cedendo lugar a lembranças dolorosas.


- Talvez. Mas nunca tão grande quanto o problema que a dependência me traria.


Mayte suspirou inconformada, porém não disse mais nada. Aquele assunto constituía o pomo da discórdia entre as duas. A fisioterapeuta sabia que jamais venceria essa batalha. Infelizmente, Anahí sempre impunha a vontade, inconsciente de que assim acabaria perdendo a guerra.


No silêncio que se seguiu, Anahí recordou como havia conhecido a amiga. Mayte fora sua fisioterapeuta após a primeira cirurgia no quadril, cinco anos atrás. Mayte a instigara implacavelmente, por vezes até além de seu limite de resistência física, levando-a a odiá-la. Na época da alta do hospital, porém, o ódio se transformara em gratidão, e assim nascera uma grande amizade.


- Obrigada. - Anahí quebrou o silêncio - por me oferecer o dinheiro. Mas, realmente, não precisarei de nenhum empréstimo.


- Se precisar...


- Não precisarei.


Era o fim do assunto.


Era o fim do trajeto.


Anahí agradeceu em silêncio pela chegada em segurança.


O Bairro dos Jardins em Nova Orleans abrigava as residências mais distintas da cidade. A festa daquela noite se realizava numa mansão construída por volta de 1800. Embora a arquitetura a impressionasse, foram os degraus amplos que davam na porta a frente que mais chamaram a atenção de Anahí.
- Diga-me que aquilo tudo não são degraus - ela balbuciou.


- Conseguirá subir?


- Não tenho escolha.


- Tem mesmo de aparecer nessa festa?


O anfitrião era um dos empresários que haviam generosamente colaborado com a semana das crianças no hotel-fazenda. Todos os envolvidos na campanha iam estar lá. Era um meio de informar o público sobre a doença. Ela pretendia acertar os últimos detalhes na festa.
- Infelizmente tenho - respondeu.


Mayte deu um suspiro de resignação.


Com a ajuda da amiga e da bengala, Anahí se pôs a subir a escadaria. Na chegada ao topo, uma dor intensa corroia-lhe o quadril. A respiração era ofegante e a testa estava coberta de suor.




- Você está bem? - Mayte indagou, a voz revelando tanto preocupação quanto admiração. Ela sabia que os artríticos tinham uma força de vontade excepcional. Anahí talvez mais do que a maioria.


- Não poderia estar melhor - ela respondeu, brincando. - Lembre-me de quando comprar minha mansão mandar instalar uma escada rolante.


Bateram à porta e, enquanto esperavam alguém vir atendê-las, Anahí forçou um sorriso, no fundo ansiando por estar em casa com frasco de linimento, uma almofada elétrica e um comprimido para dor. Na impossibilidade de ter tudo isso, contentava-se com uma cadeira para sentar.


Fazer concessões, ela pensou com um pouco de tristeza e muito de sabedoria, era o verdadeiro segredo para uma vida bem sucedida




Capitulo 2



Michael Jackson nunca fazia concessões. Sempre jogava para ganhar. Levava a vida a todo a vapor. Portanto, surpreendeu-se ao perceber, enquanto girava um copo de uísque com gelo e ouvia o burburinho da festa, que sem querer comprometia o prazer daquela noite.

Chegara à suntuosa mansão nos Jardins com o firme propósito de se divertir como de costume. Entretanto, a depressão continuava a perturbá-lo, impedindo-o de aproveitar a festa como pretendia. Como uma ressaca de bebida de segunda categoria, o desânimo não se dissipava.

- Puxa vida! Olhe para esta casa! - Christian comentou, percorrendo o olhar pelo ambiente sofisticado. - Faz o casarão de Scarlet O`Hara, em Tara, parecer um cortiço.

- Definitivamente nada humilde -Mike concordou, tomando um gole do uísque.

O salão em que se realizava a festa era ornamentado por antiguidades, e o dourado combinando com o branco constituía o padrão predominante de cor. Os lustres de cristal inundavam o ambiente de luz, fazendo reluzir ainda mais o assoalho. Um piano de cauda ocupava um lugar de destaque, embora naquela noite estivesse silencioso. A música suave ficava por conta de um conjunto num canto do amplo recinto. Vários casais dançavam.

Por uma razão inexplicável, a canção romântica e a visão dos pares dançantes emocionavam Michael. "Céus, o que há comigo?", ele imaginou com aflição.

- Onde está o Chris? - perguntou, determinado a afastar sensações indesejáveis.

- Tentando se desvencilhar da morena - Christian respondeu, virando-se na direção da lareira.

Michael reconheceu a mulher glamourosa de braço dado com Chris. Era a mesma que lhe havia pedido um autógrafo mal tinha chegado na festa e de quem custara a se livrar. O companheiro de equipe parecia sofrer o mesmo problema.

- Acha que já está na hora de entrarmos em cena e avisá-lo que a esposa acaba de ter trigêmeos? -Mike sugeriu. Tratava-se da tática que os três solteirões inveterados adotavam para salvar um companheiro em apuros com fãs ardorosas demais. A notícias de que "acabaram de ligar do consultório de seu médico com o resultado de seus exames de sangue" também costumava funcionar.

- Vamos dar a ele mais dez segundos e então entraremos em cena - Christian respondeu. - Quero ver o quanto nosso amigo é bom de drible.

Em seguida a essas palavras, Chris se desvencilhou da morena fatal e, olhando ao redor como que em busca de um porto seguro num mar tempestuoso aproximou-se dos dois amigos.

- Onde diabos vocês se meteram? - ele indagou, tirando o copo de uísque da mão de Mike. - Quase caí numa rede e vocês aqui, vendo tudo sem fazer nada para me salvar.

Mike e Christian tentavam, sem muito sucesso, reprimir o riso.
- Podem rir. - O tom de Chris era indignado.

- Você estava se saindo bem - Christian argumentou.

- Sim, de todos os oito tentáculos - Chris acrescentou com sarcasmo. Até me propus a apresentá-la ao irresistível Malandro Irlandês.

- Obrigado, companheiro - Mike retrucou. - De fato, eu e ela já travamos alguns rounds.

O moreno balbuciou um palavrão.
- Sabia que eu era a segunda opção. - Então, um largo sorriso iluminou seu rosto enquanto olhava para Christian, embora falasse com Mike. -Considerando que já sofremos uma investida, eu diria que agora é a vez de Christian. O que acha, companheiro?

- Parece razoável -Michael concordou.

- Para o inferno, vocês! - Christian protestou. - Sinto muito, mas acabaram de ligar do consultório de meu médico com o resultado dos exames de sangue.

Os três caíram na risada e Chris mudou de assunto.
- Ouçam, rapazes, Wokowski está coletando apostas para o jogo de domingo. Querem participar?

- Quanto é? - Christian se interessou.

- Cinqüenta. E é melhor decidirem rápido porque...
Michael não prestava mais atenção na conversa, o olhar perdido pelo salão.

À esquerda, ainda próximo da lareira, a morena voltava a atacar. Desta vez, a vítima era Wokowski, o jogador polonês. Ao lado dos dois, reconheceu o relações públicas da Federação Nacional de Futebol Americano. Qual era mesmo o nome do sujeito? Kern? Não, Kerr, Avery Kerr. A atenção de Jackson se voltando naturalmente para a moça que conversava com ele.

Tratava-se de uma loira bastante atraente, embora loiras não fizessem seu gênero. Ia desviar o olhar quando a viu sorrir. Algo no sorriso o cativou.

- Mike?

Quem era ela? Não parecia namorada de Kerr. Estaria acompanhada?

- Hei, Michael!

O chamado insistente atraiu a atenção de Michael. Os dois amigos o encaravam com curiosidade.
- Vai participar ou não? - Chris indagou.

Michal notou o dinheiro na mão do companheiro e se lembrou da questão da aposta.

- Vou -respondeu distraído, voltando a olhar para a moça.

Ela não mais sorria, falava. Michael procurou observá-la com os olhos críticos. Não era como Lisa, com seus traços perfeitos, mas a combinação da pele clara com os cabelos cor de mel lhe davam um ar etéreo.

A moça sorriu de novo, afetando-o do mesmo jeito que da primeira vez. Ele nunca havia sentido uma atração tão imediata por uma mulher, e a sensação o confundia. Achava-a sexy, porém existia algo mais. Não conseguia definir o que, só sabia que ao fitá-la vinha-lhe a idéia de predestinação. Tinha a estranha impressão de que já a conhecia.

O sorriso se alargou em despedida a Avery Kerr. Pela primeira vez, Michael percebeu um toque de melancolia na fisionomia da moça.
Existia uma disparidade entre o sorriso nos lábios e a expressão no olhar. Uma misteriosa disparidade. Essa constatação apenas aguçou-lhe o interesse.

Ele ouviu ao longe o conjunto começar a tocar a canção romântica Feelings. Ainda mais remotamente, escutou chamarem seu nome.

- Jackson? Ei Michael !?

Então se virou para os companheiros que o encaravam com preocupação.
- Ei, você está bem? - Christian perguntou.

- Não tenho a menor idéia - Michael respondeu e, sem dar explicações, dirigiu-se ao alvo de seu interesse.

***
O encontro com Avery Kerr havia correspondido às expectativas de Anahí. Tinha conseguido o que desejava: a confirmação da presença de alguns jogadores de futebol em sua agência na segunda-feira de manhã. Só faltava convocar a imprensa.

Uma vez cumprida a missão, Anahí sentiu o cansaço dominá-la. A dor na perna persistia, e ela considerou a possibilidade de dar a noite por encerrada. Onde estava May?

Olhando ao redor, localizou a amiga servindo-se do pródigo bufê. Anahí sorriu. Devia ter adivinhado que Mayte estaria perto da comida. Invejava-a por viver comendo e não engordar, pois lhe bastava sentir cheiro de comida para ganhar peso. Sabia que isso se relacionava com falta de atividade física normal, entretanto, essa consciência não ajudava a saciar seu estômago sempre.

Nesse instante, Mayte se virou para ela e, com um gesto, ofereceu-se a trazer algo para comer. Anahí assentiu com a cabeça. "Dane-se", pensou. Para variar, satisfaria o apetite em detrimento das calorias a mais.

Enquanto esperava a comida, acomodou-se melhor no sofá e deixou o olhar passear pelo salão. Uma parte dos convidados se dividia em grupos e conversava animadamente, enquanto a outra dançava de rosto colado.
Então notou um homem alto, de ombros largos e porte atlético que atravessava o ambiente. As feições lhe pareceram familiares, embora não fizesse a menor idéia de onde poderia conhecê-lo. Provavelmente era apenas impressão.

Logo percebeu, porém, que o homem vinha em sua direção. Embaraçada por encará-lo de modo tão direto, baixou o olhar. Só voltou a erguê-lo ao notar que alguém parava à sua frente. Para sua surpresa, era o moreno atraente.
Quando seus olhares se cruzaram, dois pensamentos ocorreram simultaneamente:

****Há definitivamente algo familiar nesse olhar brincalhão****

****Ela é mais bonita do que imaginei. É capaz de levar um homem às raias da loucura****

Foi exatamente onde Michael imaginou estar - nas raias da loucura - ao se ouvir propor:

- Gostaria de dançar ou prefere dispensar as formalidades e fugir comigo?

Apesar do brilho maroto no olhar, ele se conscientizou de que no fundo falava sério. Naquele exato momento, cedendo a um incontrolável gesto de loucura, fugiria com aquela mulher para onde ela quisesse ir. Uma ilha deserta, o topo de uma montanha, o paraíso ou até o inferno. De repente, uma sensação totalmente inusitada de vulnerabilidade o tomou de assalto.

Anahí, por sua vez, o fitava atônita. Aquelas palavras mais a desconcertavam do que surpreendiam, pois sabia que situação embaraçosa criaria ao revelar por que não podia aceitar o convite.
Ela engoliu em seco, desejando sumir como num passe de mágica.

- Eu... Eu agradeço, infelizmente não posso fazer nem uma coisa nem outra.

- Não há problema, posso ensiná-la...- Michael respondeu interpretando mal a recusa... - a fazer as duas coisas.

O embaraço de Anahí se intensificou, trazendo um rubor às suas faces.

- Realmente sinto muito, mas...

- A primeira - ele a interrompeu - é apenas uma questão de se mover com a música; a segunda... - O que acha de uma praia deserta no Caribe?

- Parece interessante, mas...

- Ou um acampamento no topo de uma montanha?

- Por favor, eu...

- Você escolhe.

A tentação era quase irresistível. Anahí teve de se agarrar à realidade de sua condição para reprimir o impulso de aceitar a proposta. A realidade de uma doença complexa da qual com toda probabilidade jamais se livraria. Além disso, havia o fato de que, quando aquele homem descobrisse sua deficiência, ela seria a última mulher no salão com quem ele flertaria.

- Seu convite é lisonjeiro - ela sorria, tentando esconder a frustração, - mas...
- Não! - a exclamação interrompeu a conversa entre os dois. - Não! - Mayte repetiu. - Não acredito, não pode ser. Ou sim? É você mesmo? Oh, não acredito! - Ela estava com olhar cravado em Michael. - Mas é verdade! Sou uma grande fã sua. E meu pai, então, preferia morrer a perder um jogo do Marauders.

- Obrigado. - Micahel riu. - E agradeça seu pai por mim.

- Ouça, sei que as pessoas lhe pedem isso o tempo todo, mas poderia me dar um autógrafo? Isto é, para o meu pai.

- Claro... Só que não trouxe caneta.

- Arrumarei num instante. - Mayte deixou os pratos numa mesa e começou a vasculhar a bolsa.

Anahí apenas observava o desenrolar de cena, tentando descobrir quem era o homem. Agora sentia confirmar-se à impressão de que já o tinha visto, porém, onde?

Uma caneta e um guardanapo foram prontamente providenciados paraMicahel.
- Aqui está - ele disse, ao devolver a caneta e o papel devidamente autografado a Mayte.

Enquanto isso, Anahí começava a associar os fatos. Jogadores de futebol, Marauders, o olhar brincalhão...

- Muito obrigada. - A amiga se desmanchava em sorrisos. - A propósito sou Mayte Perroni.

Michael apertou-lhe a mão e então olhou para Anahí, para forçar uma apresentação. Mayte entendeu a deixa.

- E esta é minha amiga Anahí. Anahí, este é Micahel...

-...Jackson- ela concluiu pela outra.

Os três ficaram apenas a se olhar. Anahí e Michael, um para o outro, enquanto Mayte para a amiga que, embora não se interessasse nem um pouco por futebol, sabia o nome do quarto-zagueiro do Marauders.

- Agora que nos conhecemos... - o olhar de Michael revelava esperança.

- Sinto muito, mas a resposta ainda é não - Anahí interrompeu com firmeza, embora o coração batesse forte. Apesar de habituada a situações patéticas de falta de tato e covardia. - Na verdade, já estávamos de saída.

Mayte arregalou os olhos.
- O quê? - ela protestou, olhando para os pratos intactos de comida.



***



- Sabe muito bem sobre o que... Ou talvez seja mais apropriado dizer sobre quem. - Mayte também estava imersa na banheira. - Respeitei seu silêncio durante todo caminho de volta para casa, mas agora quero algumas respostas.

- Que Respostas? - apesar do tom indiferente, a pulsação de Anahí acelerava.

- Respostas a perguntas como "o que aconteceu esta noite?" ou "pq tivemos de ir embora com tanta pressa?"

- Olhe só quem fala em pressa - Anahí ironizou.

- Não mude de assunto. O que aconteceu lá na festa?

- Você pediu e ganhou um autógrafo de Michael jackson.

- Acho que aconteceu muito mais do que isso. E pode começar me contando como sabia que aquele homem era Michel jackson.

- Elementar, minha cara Perroni, eu o vi na televisão hoje. Ele e os companheiros do trio Infernal.

- Infernal? Ora, ora, estou impressionada com esse seu conhecimento de um assunto que pensei que não lhe interessava. Mas não tente me distrair. Vamos, conte. O que você e Michael Jackson estavam conversando?

- O que dois convidados numa festa normalmente conversam.

- Anahí!

As duas se encararam, uma mais teimosa que a outra. Foi Anahí quem finalmente cedeu:
- Muito bem, você venceu. Ele me convidou para dançar - ela limitou-se a dizer, omitindo a outra proposta. De repente imaginou a quantas mulheres o convite tinha sido feito. E quantas haviam aceitado.

- E o que respondeu?

- O que acha? - o tom soou mais ríspido do que ela pretendia. - Desculpe-me.

Mayte suspirou.
- Anahí, por que foge de todo homem que demonstra interesse por você?

- Já lhe disse isso mil vezes. Fujo deles antes que fujam de mim.

- Não está sendo justa com você mesma nem com eles. Aposto que, se...

- Talvez sim, talvez não. - Lembranças que jamais partilhara com ninguém, nem mesmo com a melhor amiga, voltaram a sua mente.

- Mas...

- Por favor, May, vamos esquecer o assunto?
Mayte hesitou, entretanto acabou cedendo, afundando mais na água tépida e espumante.

- Como vai sua sobrinha? - Anahí perguntou para aliviar o clima tenso?

- Absolutamente linda. Está com três semanas e tem o rosto mais bochechudo que já vi, sem falar nos cabelos ruivos. É uma graça!

- Você adoraria ter um bebê, não?

- Se gostaria! O problema é arrumar um homem que queira ser o pai. E eu não tenho mais muito tempo para esperar. Estou com trinta e sete anos, amiga.

Embora seu caso fosse diferente, há muito Anahí se conformara em não ter filhos. Mesmo que estivesse casada, sua saúde representaria um fator de complicação. Talvez por isso dedicava-se com tanto carinho a crianças artríticas.

De repente, Mayte soltou uma gargalhada.
- Que dupla formamos! Eu procuro um homem enquanto você os rejeita.

- Eu não diria exatamente isso. - A imagem de um par de olhos encantadores lhe vieram inadvertidamente à lembrança. - Por que os três são chamados de Infernais?

- Os repórteres esportivos que começaram com isso. Os três se entendem bem em campo e são super rápidos. Quando um lança a bola para o outro é ponto na certa. - Mayte se interrompeu, rindo. - Pelo seu súbito interesse por futebol, devo concluir que vai assistir à final do campeonato, no domingo.

- Dificilmente. E se eu não sair logo desta banheira vou encolher.

Embora o calor tivesse abrandado a dor, a perna de Any continuava rígida, dificultando a saída da banheira. A amiga a ajudou.
- Prometa - Mayte pediu - que não tentará usar a hidromassagem sozinha enquanto estiver com problemas na perna. - Antes que Anahí objetasse, acrescentou - Sei que ofendo seu senso de independência, mas me dê esse prazer. Está bem?

- May, posso perfeitamente...

- Prometa.

- Não é...

- Passarei aqui todos os dias, no final da tarde, para ajudá-la, está bem?

- Está bem - Anahí aquiesceu, embora sem esconder que o fazia a contragosto.

- Prometa.

- Certo, certo, eu prometo!

- Ótimo. Agora me passe a toalha e me deixe ir para casa.
Quinze minutos depois, Anahí foi se deitar. Cansada como estava esperava adormecer logo. Contudo, por mais que tentasse, não conseguia conciliar o sono, revendo na mente os acontecimentos daquela noite.

O escritório estava um caos.
Como uma secretária, uma amiga, um repórter, duas mães, uma assistente social e três crianças podiam fazer tanto barulho? Até então Anahí não havia se dado conta de quanto sua sala era pequena. Onde ficariam os jogadores de futebol quando chegassem? A propósito, estavam atrasados.

A Viagens e Excursões Puente dividia um casarão antigo com uma companhia de seguros e uma ceramista. A mobília era de segunda mão, sendo que as cadeiras haviam recebido um novo estofamento por conta do pai de May. As paredes exibiam uma combinação eclética de quadros: um Van Gogh multicolorido com motivo de girassóis em meio a uma variedade de pôsteres mostrando pontos turísticos de San Francisco, o Caribe e Nova York. À parte estavam as menções honrosas que Anahí tinha recebido pelo trabalho voluntário desenvolvido junto à Fundação de Pesquisas, expostas por insistência da amiga.

Sentada à sua mesa, ela observou a algazarra das crianças. Havia uma garotinha de dois a três anos de idade, um menino com aproximadamente cinco e outro de sete a oito. Este, Jason Holland, era negro e órfão, vivendo atualmente sob a tutela do Estado. Em pior estado que as outras crianças, movia-se com lentidão e seu olhar triste e cansado.

Anahí imaginou se carregava a mesma expressão depois de lutar quase dez anos contra a própria doença.

Mayte terminou de contar uma história às crianças e então se levantou do chão e se juntou a Anahí.
- Eles estão atrasados, não?

- Alguns minutos, - Anahí confirmou.

- Sabe quem vem?

- Não. Avery Kerr disse apenas que mandaria alguns jogadores de futebol.
- Jason está muito ansioso para conhecer pessoalmente um jogador de rúgbi. Acredita que aquela criança linda não tem lar? - Mayte comentou indignada. Então mudou de assunto com a impaciência que lhe era característica. - Como se sente?

- Bem Anahí respondeu, embora sentisse o corpo dolorido.

- O quadril dói?

- Um pouco.

- Tem certeza?

Anahí apenas deu de ombro, provocando um suspiro na amiga.
- Você é rainha da minimização, sabia?

- Minha chefe lhe contou sobre as flores? - Susan interrompeu a conversa, alarmando Anahí.

- Susan, por que não oferece café às pessoas?

- Que flores? - Mayte percebeu a manobra da amiga.

- Ela não lhe contou sobre as rosas?

- Susan, o café...

- Que rosas? - Mayte arregalava os olhos.

- Alguém quer café? - Anahí falou bem alto para que todos presentes ouvissem.
A oferta foi aceita por unanimidade.

- Susan, você poderia...

- Michael Jackon mandou as flores - a secretária continuou, ignorando os pedidos da chefe. - Rosas brancas maravilhosas.

- Susan, poderia servir café aos nossos convidados? - O tom de Anahí já era exasperado.

- Pode acreditar nisso? Michael Jackson enviou flores a Anahí!

Anahí se recusava a encarar Mayte, mas sentia o olhar penetrante da amiga. Embaraçada, ergueu-se resmungando:
- Eu mesma vou servir café aos convidados antes que eu mate alguém.

Mayte e Susan, porém, a seguiram até a pequena cozinha.
- Deixe que eu levo isso. - A secretária se ofereceu para carregar a bandeja, arrependida por ter falado demais.

Mayte permaneceu na cozinha, enquanto Anahí se ocupava em secar a pia.
- Por que não me contou?

"Por que por algum motivo que não compreendo eu queria apreciar o perfume das flores sozinha", Anahí desejava dizer, Em vez disso respondeu:
- Por que não significa nada. Ele quis apenas se desculpar por uma situação embaraçosa que criou. E ponto final.

- Lá vai você minimizando...

- E você maximizando.
- Anahí, quando deixará de pensar em si mesma como uma deficiente?

- Quando deixar de ser uma - ela não vacilou em retrucar.

- Eles chegaram - Susan voltou para anunciar, mal contendo o entusiasmo.

- Eles chegaram - Anahí repetiu à amiga.

- Continuaremos esta conversa mais tarde - Mayte insistiu.

- Está certo. No ano que vem. -Apoiando-se na bengala, Anahí foi para a sala.

Ela acabava de se congratular pela facilidade com que se livrara do assunto Michael jackson, quando se deparou com um par de familiares olhos castanho esverdeados.

Por um instante, Anahí imaginou que sonhava e a qualquer momento alguém iria acordá-la.

-Sinto muito pelo atraso - Michael enfim falou. O tom era terno, como se os dois estivessem a sós na sala. Como se os dois se conhecessem não por alguns minutos embaraçosos, mas desde sempre. Então seus lábios se curvaram num sorriso maroto. - Dormi demais.

O sorriso irresistível levaria qualquer mulher a perdoá-lo pelo mais sério deslize.
- Está tudo bem - Anahí respondeu. - agradecemos por você gentilmente nos ceder seu tempo, você e... - ela olhou para os dois que acompanhavam Michael-. Sinto muito, mas receio que só me lembre de vocês como os Infernais.

Os homens sorriram.
- Estes são Christopher Uckermann e Christian Chavez. - Michael fez as apresentações. - Rapazes, esta é Anahí Puente.

Houve um momento de hesitação, em que os dois jogadores pareceram em dúvida quanto a iniciativa e Anahí aliviou o embaraço. Transferindo a bengala para a mão esquerda, estendeu a direita.
- Muito prazer em conhecê-los, Christopher... Christian.

- E você é Mayte, certo? - Michael perguntou.

- Você se lembrou! - Mayte confirmou, embevecida. - Christopher... Christian, muito prazer.

- Ele nunca se esquece de um rosto bonito - Christian comentou, fitando Mayte com evidente interesse.

- Cuidado com esse aí, Mayte - Christopher brincou. – Nós só o soltamos em noites sem lua.
Todos riram, e Michael voltou à atenção novamente para Anahí.
- Bem... - Ela observou, procurando ordenar os pensamentos.

- Que tal conhecerem as crianças? - Ao se virar, esbarrou na secretária. Oh, esta é Susan Lailbrook.

- Susan? - Anahí chamou, fazendo-a cair em si, atrapalhada.

- E... Eu... Desculpem-me. Adorei as rosas. - Apertou a mão de Michael e, ao dar-se conta do que havia dito, corou. - Quer dizer, sei que não as mandou para mim, mas vieram aqui para o escritório e... Eram tão bonitas... Pena que Anahí as levou para casa... Oh, meu Deus, não estou falando coisa com coisa, não é?

Todos exceto Anahí, achavam graça da tagarelice de Susan.
- Que bom que gostou delas - Michael comentou com a secretária e, sentindo o embaraço de sua chefe, sugeriu com tato: - Que tal conhecermos as crianças agora?

Mayte deteve a amiga apenas o suficiente para lhe sussurrar no ouvido:
- Quer, por favor, sorrir?

- Sorrirei - Anahí respondeu no mesmo tom -...Assim que esganar Susan.

No decorrer da sessão de fotos, Anahí se apanhou pensando que a idéia desse tipo de promoção lhe parecera boa até deparar-se com os jogadores enviados por Avery Kerr. Não que Michael Jackson não tivesse jeito com as crianças, muito pelo contrário. Ele e os amigos sabiam cativa-las.

O problema era Michael Jackson ter surgido de novo em sua vida, estar em seu escritório, agindo como se estivesse em casa. E cada vez que olhava para ele flagrava-o observando-a.

O problema era que ela não sabia qual o problema!

Contudo, por mais tentasse, não conseguia tirar os olhos dele. Tratava-se, sem dúvida, de um homem que jamais passaria desapercebido com aquele porte atlético. Sem falar nos olhos esverdeados realçados pela tonalidade castanha dos cabelos.

Mais uma vez flagrou-o a encará-la. Além disso, percebeu que o quadril começava a doer de tanto ficar em pé e, afastando alguns papéis, sentou-se na borda da mesa. Mal conteve uma careta de dor.
"Ela sofre de artrite", Mike pensou.
Era a única resposta que fazia sentido. Explicava o andar manco e as mãos marcadas por cicatrizes cirúrgicas, além da participação ativa naquela Fundação.

"Também tem pernas lindas", ele reparou percorrendo o olhar por toda sua extensão. Tratava-se de uma mulher atraente e... "Com dor". Esta se revelava no leve tremor ao redor dos lábios, só perceptível a alguém familiarizado com dores lancinantes.
Como atleta profissional, havia mais de uma vez jogado com ferimentos que deixariam a maioria das pessoas de cama. Ele acrescentou admiração à lista de emoções inexplicavelmente evocadas por Anahí Giovanna Puente.

- Sr. Jackson , posso tirar outra foto de vocês três com Jason? -O repórter fotográfico pediu. As duas crianças menores haviam se cansado e ido embora.

- Claro que sim - Michael concordou.

- Poderia ser a última? - Mayte sugeriu. -Jason parece cansado.

- E se eu segurá-lo para a próxima? – Mike propôs.

- Boa idéia. Depois um refrigerante cairia bem, não, Jason?

O garotinho concordou entusiasticamente com a cabeça.

Com cuidado, Mike pegou o menino no colo e parou no local indicado pelo fotógrafo. Tomado por timidez na presença do jogador que tanto admirava, Jason escondeu o rosto no peito dele.
- Jason a assistente social falou - conte qual é o seu time favorito.

Não houve resposta.
- Qual é seu time favorito? - Chris insistiu, tentando enxergar o rostinho enfiado no pulôver do companheiro de equipe.

Continuaram sem resposta.
- Eu sei - Christian arriscou. - É o cowboys.

Jason arriscou espiar de seu esconderijo.
- Eles ganharam o campeonato - ele comentou.

- Ganharam sim - Christian confirmou. - É um time com muitos torcedores.

- Não sou um deles - o garotinho refutou, esquecendo-se da timidez.

- Não? Então para quem torce? - Poncho instigou.

- Para os Marauders.

- Ah! Esse menino tem bom gosto! - Chris brincou.

- Serei um Marauder quando crescer - Jason anunciou com orgulho.
Houve um momento de silêncio compungido, pois cada adulto presente sabia que jogador de futebol certamente era a última coisa que aquele garoto poderia se tornar quando crescesse.
- É mesmo? - Christian quebrou o silêncio. - O que acha de arranjarmos uma bola da federação?

- Uma bola de verdade? - O menino arregalava os olhos castanhos.

- Naturalmente - o jogador confirmou. - E tem mais: posso pedir a todos os membros do time que a autografem para você.

- Fará isso? - Jason mal cabia em si de contentamento.

Anahí sorria enternecida com o simples prazer da criança quando percebeu que Michael a fitava, como se de alguma forma soubesse exatamente o que pensava e sentia. Instante depois, tirada a última fotografia, viu-o entregar o menino a Christian e se aproximar dela.

O coração disparou, mas para seu alívio a assistente social, Sra. Glover, logo se juntou a eles.
- Ele falará sobre isso o dia todo - ela comentou.

- É um menino cativante - Michael observou - Está sob cuidados do Estado, não?

- Sim, seus pais morreram num acidente automobilístico há três anos. Não tem nenhum outro parente.

- Quais são as chances de ser adotado?

- Poucas. Em primeiro lugar, devido à idade; a maioria dos casais prefere bebê. Em segundo, por causa do problema de saúde, que faz dele um verdadeiro deficiente em termos de adoção.

Deficiente... A palavra cortou o coração de Anahí com toda sua brutal realidade. Ela sabia exatamente como era sentir-se um deficiente. Felizmente o pequeno Jason ainda não tinha consciência disso. Tomara que demorasse muito até atingi-la.

Mais uma vez, Anahí reparou que Michael a observava.
De repente, ela sentiu como se ele lhe desvendasse os mais íntimos pensamentos, o que a levou a uma posição defensiva. Mais do que depressa, escondeu a vulnerabilidade atrás de muros altos que erguia com a crença de que não se importava com a solidão e continuaria assim pelo resto da vida.




- Susan, por que não apanha um refrigerante para Jason? - Anahí sugeriu, deslizando da borda da mesa ao mesmo tempo em que se escondia por trás de uma máscara de indiferença. - Verifique também se alguém mais aceita refrigerante ou café.

A secretária seguiu as instruções, e em menos de meia hora todos começaram a sair. O repórter foi o primeiro, seguido pela Sra. Glover com Susan, que havia passado a manhã lançando olhares de adoração para o ídolo, e com muita relutância acatou a ordem de ir almoçar. Mesmo assim, só depois de conseguir um autógrafo.
Mayte também se despediu, embora parecesse intrigada com o fato de os três jogadores não revelarem a menor pressa em partir.

- Comporte-se - ela cochichou com malícia enquanto a amiga a acompanhava até a porta.

Assim Anahí ficou a sós com três homens.

- Eu... Bem, não sei como lhes agradecer...Em nome da Fundação de Pesquisas... Por terem contribuído com seu tempo dessa forma...

Os jogadores concordaram em uníssono que o prazer era deles.
- Espero que a semana que planeja para os garotos seja realmente um sucesso - declarou Chris.

- Obrigada.

- Onde será? - Christian indagou.

- Se tudo der certo, em El Paso - Anahí respondeu, com um indisfarçável brilho de satisfação no olhar. - Há um hotel fazenda lá, de onde espero uma carta de confirmação da reserva a qualquer momento. Eles atendem especialmente a crianças deficientes.

- Se precisar de mais alguma coisa de nós...- Christian ofereceu.

- Obrigada. É muita generosidade sua. - Anahí se conscientizou que evitava olhar para Michael. Também se deu conta de que ele não dizia nada. Além disso, queria encontrar um meio de lhe agradecer pelas rosas, porém, só desejava que eles fossem embora. - Mais uma vez, muito obrigada a vocês todos.

Os jogadores já se dirigiam para a porta quando o telefone tocou.
- Com licença - Anahí se desculpou, atravessando a sala com a habitual dificuldade.

- Tchau! - Christopher e Christian se despediram. - Foi um prazer conhecê-la - um deles acrescentou.



Anahí se virou para acenar antes de atender ao telefone. Sentia alívio por vê-los partir. Na verdade, sentia alívio por Michael partir. Aquele homem lhe tirava a respiração.
A ligação era de uma mulher interessada numa viagem à Escócia com o marido que vivia preso a uma cadeira de rodas. Enquanto dava as informações, Anahí notou que Michael confabulava com os amigos, que então seguiram sem ele. Seus olhares se cruzaram. Breve, porém significativamente. Em seguida, Jackson se pôs a caminhar pelo escritório.

A pulsação de Anahí se acelerou.

- Como? - ela voltou a falar ao telefone. - Sim, a viagem aérea é muito confortável.

"Por que ele ficou?"

Como as mãos enfiadas nos bolsos da calça, Michael examinava as menções honrosas penduradas na parede.
- A Inglaterra é um local adorável para visitar - Anahí continuou, distraída, enquanto o acompanhava com o olhar. - Escócia! Quero dizer, a Escócia é um lugar adorável para visitar.



Capitulo 3



"Me dê amor como ela
Porque ultimamente tenho acordado sozinho
Lágrimas de dor escorrendo na minha camiseta
Disse a você que os deixaria ir E eu vou lutar pelo meu espaço
Talvez eu te ligue hoje a noite
Depois do meu sangue virar álcool
Não, só quero te abraçar"



"O que ele está fazendo? Por que não vai embora?"

- Eu lhe proponho o seguinte, Sra. Hecker: prepararei um prospecto e o enviarei à senhora, se me der seu endereço. - Enquanto apanhava uma caneta, ela fitou de relance.

"Meu Deus! Ele está lendo todas as menções?"

- Muito bem, entrarei em contato com a senhora. E obrigada.

Michael se virou, então, e se aproximou da mesa como se tivesse todo tempo do mundo.

- Estou impressionado - comentou, indicando com a cabeça a parede com as menções.

- Não fique. Adoro trabalhar para a fundação, e eles insistem em me dar... Isso. -Ela apontou para os documentos emoldurados.

- Continuo impressionado, apesar de sua modéstia. - O sorriso de Mike morreu ao indagar sem rodeios: - Há quanto tempo sofre de artrite?

- Dez anos.

- Nossa, você era tão jovem!

- Não tanto quanto Jason, por exemplo. E centenas de outros como ele.

- Quantos anos você tinha?



Anahí deduziu que aquele homem era do tipo que nunca fazia rodeios. Sem dúvida, alguém que se aproximava de uma mulher estranha e a convidava para fugirem juntos não se prestava a subterfúgios. Ela ainda desejava que aquela noite de sexta-feira não tivesse acontecido. Muito embora, no fundo de sua alma, a atenção dele a lisonjeasse. Se tivesse contado a Michael Jackson que não podia dançar, ele teria se contentado em conversar apenas.

Só depois que ele se foi, Anahí se deu conta de não ter agradecido pelas flores. Havia dito que eram desnecessárias e lindas, contudo não agradecera.

O telefone tocou na noite de terça-feira quando Anahí jantava.
- Alô?

- Anahí?

- Sim?

- É Michael Jackson. Como vai?

- Estou bem, obrigada. - Ela sentiu o coração acelerar-se de repente. E você?

- Muito bem. Estou ligando por causa da bola que prometemos a Jason Holland. Precisamos do endereço para onde mandá-la.

Uma inesperada sensação de desapontamento tomou conta dela.
- Na verdade, não sei. Mas posso averiguar...

- Que tal eu mandá-la a você para que providencie a entrega ao garoto?

- Está bem.

- Levará algum tempo para colher a assinatura de todos os rapazes, mas enviarei a bola assim que puder.

- Jason ficará radiante. É muita generosidade sua...

- É um prazer - Michael a interrompeu, aparentemente tão embaraçado com o elogio quanto Anahí em relação às menções honrosas. Houve uma breve hesitação antes de a conversa tomar outro rumo. - Teve um bom dia?

- Não foi ruim. E o seu?

- Pura benção divina. Dormi até as onze, assisti a um filme, fiz ginástica no salão do hotel e depois fui à sauna. Agora pretendo comer lagosta suficiente para afundar um navio.

- Vocês, jogadores de futebol, certamente levam uma vida muito dura. Não deviam estar jogando ou coisa parecida?

- Realmente não entende nada de futebol, hein?

- Eu disse que não. Por quê?

- A temporada acabou. Estamos de folga até o reinício dos treinos no verão.

- Ah... Então por isso entregou-se à preguiça o dia todo.




- Exatamente. - Então, sem perda de tempo, ele acrescentou: - Jante comigo amanhã à noite. - Mais uma vez, recorria ao elemento surpresa. - Antes que responda, deixe-me lembrá-la de que sou uma celebridade.

Anahí riu com uma naturalidade que sequer teve tempo de questionar. Aliás, o riso parecia uma constante na companhia daquele homem.
- E um grande amante, muito rico e dono da Ponte de Brooklyn, certo?

- Acertou. Jantará comigo então?

O sorriso desapareceu dos lábios de Anahí. Nada havia mudado. Conhecia a razão do convite. Ele já tinha deixado bem claro no dia anterior. Como naquela ocasião, ela sentiu a mesma necessidade ditada pelo orgulho de recusá-lo.

- Obrigada, mas infelizmente não posso.

- Tem certeza?

- Sim.

Michael deixou o assunto morrer com tanta facilidade que apenas confirmou a suspeita de Anahí. A sensação de desapontamento voltou a assediá-la.

Nos minutos seguintes, conversaram sobre banalidades. A certa altura, ela disse:
- Eu... Bem, não lhe agradeci pelas flores. Olhou para a mesa onde os botões, já completamente abertos, continuavam viçosos e perfumados.

- Não há necessidade de me agradecer.

- Mesmo assim, obrigada.

- Nesse caso, considere-me agradecido...Preciso desligar agora. Tem alguém batendo a minha porta.

- Sim, claro. Então me mande a bola.

- Combinado. Tchau.

- Tchau.

Ela afastava o fone do ouvido quando ouviu chamá-la.

- Anahí?

- Sim?

- Eu menti.

- Mentiu?

- Sim. Não sou dono da Ponte de Brooklyn.

A ligação foi interrompida antes que ela pudesse retrucar. Quem será que havia batido à porta dele? Uma mulher? Teriam partilhado, entre outras coisas, lagosta suficiente para afundar um navio?

****
- Está pronto? - Christian foi logo perguntando quando Mike abriu a porta do quarto de hotel.

- Sim. Só vou apanhar o paletó.

- Hum, mal posso esperar para comer aquelas lagostas. Dá água na boca só de pensar naqueles pedaços suculentos...

- Ei, Christian, assim você faz lagosta parecer melhor que sexo.




O homem de cabeça colorida abriu um largo sorriso.
- É o máximo de prazer que provavelmente terá esta noite.

- Calma, só porque você é feio demais para conquistar uma garota, não pense que somos todos iguais.

Os dois continuaram a trocar insultos bem-humorados a caminho do elevador.
- Não se esqueça da festa na sexta-feira - disse Christian. - Vai levar alguém?



Michael não hesitou em responder.
- Sim - E a imagem de uma loira de olhos azuis lhe veio à mente. - Só que ela não sabe ainda.

O companheiro deu uma sonora gargalhada.
- Mike, alguém já lhe disse que é convencido demais?

- Nunca, meu amigo - Mike retrucou com carregado sotaque irlandês, enquanto saíam do elevador. - Vamos às lagostas.

O telefone tocou na noite de quarta-feira justamente quando Anahí saía do banho.

- Alô?

- Anahí? Espero não ter telefonado muito tarde. Só agora reparei que já passa das dez e meia.

Por mais que ela tentasse negar, o telefonema a deixou exultante.
- Não, acabo de sair do banho. - A pausa subseqüente fez com ela se arrependesse pela resposta.

- Não está... Molhada ou coisa parecida, está?

- Não, não!

- Posso ligar mais tarde, se...

- Não, não! Estou vestida... Quero dizer, não estou molhada.

- Em todo caso, não a deterei por muito tempo. Sei que é tarde. Só gostaria de saber se está livre sexta à noite. E não custa lembrar - ele acrescentou mais do que depressa - que sou uma celebridade...

-...E um grande amante e muito rico, - ambos concluíram juntos e caíram na risada.

O riso de Anahí, porém, logo se desvaneceu. Por que sorria quando não tinha a menor razão para isso? Por que aquele homem não a deixava em paz? Por que insistia em invadir seu mundo tristonho e solitário?

- Então, aceita?

Ela continuou relutante, embora não soubesse por quê, pois não tinha a menor intenção de aceitar o convite.

Michael interpretou mal o silêncio.
- Eu a apanharei por volta das...

- Espere! Não, eu...




Por mais que tentasse, ele não compreendia por que ela se recusava a aceitar um simples convite para sair.
- Pense no assunto, está bem?

- Não creio que...

- Por favor. Conversaremos amanhã. Agora preciso me apressar. - Desta vez ele mentia. Queria apenas desligar logo o telefone. - Boa noite.

- Boa noite... – Atordoada, Anahí afastava o aparelho do ouvido quando o ouviu chamá-la.

- Anahí?

- Sim?

- Eu menti.

- De novo?

- Sim. Não sou rico. - E desligou o aparelho. O esboço de um sorriso surgiu nos lábios de Anahí, embora não durasse mais que um instante.

Por que seu coração batia com esperanças vãs toda vez que falava com ele?

Durante a noite de quinta-feira, Anahí tentou se convencer que não esperava telefonema algum. Finalmente foi para a cama com uma certeza que tivera o tempo todo. Havia achado que Michael ligaria... Que a instigaria a aceitar o convite... Que terminaria a conversa com outra confissão...

"Anahí?" - ele diria antes de desligar. - "Sim?" - ela responderia como das vezes anteriores. - “Eu menti”.- “Mentiu?" - “Sim. Não sou um grande amante. Amante...

Que tipo de amante Michael Jackson seria?

A curiosidade a surpreendeu. Fazia muito tempo que não pensava num homem em termos tão íntimos. Convencera-se de que não poderia ser uma boa amante de um homem e por isso deixaria o assunto de lado.

"Um homem quer sua mulher cheirando a perfume, não a linimento. Um homem quer ouvir seus gritos de êxtase, não de dor. Meu Deus, um homem não quer se sentir um canalha por fazer amor com a própria esposa!"

Essa lembrança dolorosa surgiu de repente, como um monstro do meio da escuridão, deprimindo Anahí tanto quanto na ocasião em que, por acaso, escutara o desabafo do ex-noivo com um amigo. Até aquele momento, anos atrás, não tinha pensado seriamente em como pareceria aos olhos de um homem. Naquele instante aturdido, uma parte de sua auto-estima, uma parte da sua feminilidade havia sido destruída. E nunca mais reposta.


Nenhum homem queria uma mulher doente. Tratava-se de uma das grandes verdades da vida - pelo menos no caso de Anahí. Ela riu com amargura, cedendo a um raro momento de auto piedade. Piedade... A idéia lhe veio à cabeça como um raio.
Por isso Michael a convidava para sair? Sentia pena dela? Uma sensação de raiva tomou-a por inteiro. E, em seu estado depressivo, precipitou-se do provável para o certo. Michael Jackson sentia pena dela. Por que outro motivo um homem tão viril e saudável se interessaria por uma mulher doente?

Lágrimas lhe encheram os olhos. Entretanto, não as deixou cair.
Preferiu praguejar baixinho: amaldiçoou a doença que mudara sua vida; amaldiçoou Michael Jackson por fazê-la sorrir, por despertar seu interesse, por fazê-la a desejar que tudo fosse diferente

***

A sexta-feira amanheceu cinzenta, com uma névoa espessa e fria cobrindo a cidade.
- Por que não vai almoçar? Sugeriu enquanto se preparava para datilografar o prospecto da Sra. Hecker.

- Não, vá você primeiro - disse Anahí. - Preciso relacionar a equipe médica que levaremos conosco a El Paso.

- Deixe isso para mais tarde. Vá comer.

Anahí pôs a caneta sobre a mesa e sorriu.
- Estive tão mal-humorada assim a manhã toda? Não precisa responder.

Ao se erguer, sentiu uma pontada na perna esquerda, mas sua única concessão à dor foi uma pequena pausa e uma tomada silenciosa de fôlego.
- Quer que eu traga um hambúrguer?

- Sim, por favor.

Lá fora soprava um vento frio e úmido. Apesar disso, Anahí sentia-se melhor por sair do escritório. Precisava ver os últimos dias em perspectiva: não significavam nada no plano geral da sua vida. De fato, as rosas resumiam com clareza seu relacionamento com Michael, naquela manhã encontrara-as mortas, as pétalas espalhadas sobre a mesa da sala de jantar. Então as jogara fora e continuara sua rotina.




Parada ao lado do carro, estava tão concentrada em procurar as chaves na bolsa que não deu atenção ao ruído de outro veículo entrando no estacionamento. O som de uma voz conhecida, porém, não passou despercebido.
- Oi.

Anahí se virou sobressaltada, o olhar cruzando com o de Michael. Uma série de perguntas lhe veio à mente: "O que ele quer?”, "Por que me deixo afetar tanto por esse homem?"
- Oi - ele repetiu, sorridente.

- Oi.

- Vai almoçar?

Com receio de que ele sugerisse que almoçassem juntos, ela pensou em mentir, mas não conseguiu.
- Sim, vou buscar um hambúrguer. É mais rápido.

- Nesse caso, não a deterei mais que um minuto. Desculpe-me por não ter telefonado ontem: é que fiquei preso a compromissos...

- Está tudo bem. Não esperava que você ligasse.

Os dois mentiam: Anahí aguardava ansiosa o telefonema, e Michael não tivera nenhum compromisso. Ele não tinha entrado em contato de propósito, para evitar uma recusa pelo telefone. Torcia para que sua presença dificultasse a rejeição.

Enquanto Anahí receava que ele percebesse sua mentira, Michael imaginava se ela fazia idéia do quanto havia lutado consigo mesmo para não lhe telefonar. O jogador também se perguntava porque aquela obsessão aumentava cada vez que a via.
- Bem - ele rompeu o silêncio - quanto a esta noite... Posso apanhá-la em sua casa por volta das sete?

Algo explodiu dentro dela, algo que se desenvolvia há dias, talvez anos. Uma série de emoções acumuladas - sua mágoa passada, o autopreconceito, a humilhação de ser alvo de piedade de Michael eclodiram num acesso de fúria, intensificada pela consciência de que no fundo gostaria de sair com aquele homem.
- Dane-se,Michael Jackson! Não quero sua piedade!

Piedade. A palavra o atingiu como uma bofetada. Chocado, ele não disse nada. Absolutamente nada. Apenas olhava para ela confuso, atônito.

- De que está falando? - perguntou depois de um longo silêncio.




- Você já se desculpou por aquela noite de sexta, e não quero nem preciso da sua piedade ou de quem quer que seja. Não sou caso de caridade!

Ela desviou o olhar. Oh, Deus, por que ele não a deixava em paz? Voltou a procurar as chaves, desta vez com desespero. Mas Michael não desistiu facilmente. Segurou, gentil porém firmemente, o braço dela e a obrigou a encará-lo. O movimento brusco provocou a queda das chaves à qual nenhum dos dois deu atenção.

- Na verdade, você está duplamente enganada, querida. - Seus olhos esverdiados, habitualmente marotos, expressavam uma cólera que condizia com a fama do temperamento Irlandês.

A palavra "querida" estava longe de ser uma forma carinhosa de tratamento, e Anahí não pôde deixar de imaginar como soaria se fosse Doce e sensual? Capaz de fazer uma mulher se sentir desejada? Capaz de fazer uma mulher se sentir mulher? Esses pensamentos, porém, se perderam sob a avalanche da ira que Michael continuou expressar:

- Não a convidei para sair como um pedido de desculpas e muito menos por sentir pena de você. Meu verdadeiro objetivo, Anahí era fazer uma gozação. Sabe, adoro me divertir às custas de pessoas deficientes, particularmente de cegos ou de gente em cadeiras de rodas, mas não é todo dia que encontro um desses pela frente e tive de me contentar com uma moça manca de bengala.

Segundos se passaram sem que ninguém falasse. Nem se movesse. O coração de Anahí batia num ritmo que parecia dizer: "Boba! Boba! Boba!" O olhar de Michael continuava fulminante, entretanto, ela pouco a pouco percebeu algo mais nas profundezas esverdiadas. Mágoa? Vulnerabilidade? Não tinha certeza.

De repente ele retomou a fala, embora com um fio de voz:
- Como pôde pensar que eu... Ora, esqueça o assunto! - Virou-se abruptamente e estava a caminho de seu Porsche branco quando parou para gritar: - Moça, você sofre de um sério complexo! - A cena atraía a atenção dos transeuntes.

- MICHAEL! - Anahí agiu num impulso, guiada pelo coração. – MICHAEL, ESPERE!




Levou algum tempo e muita paciência para recuperar as chaves com a bengala. Quando finalmente conseguiu, foi até a lanchonete mais próxima e voltou ao escritório com dois hambúrgueres. Susan prudentemente evitou qualquer comentário ao perceber que a chefe retornara duas vezes mais mal-humorada do que quando saíra.

-Quer que eu jogue isso fora? a secretária perguntou cerca de meia hora depois, referindo-se ao hambúrguer praticamente intacto de Anahí.

- Como?

- Ainda vai comer isso?

Anahí olhou para o sanduíche esquecido na mesa e sacudiu a cabeça.
- Obrigada - murmurou distraída quando a secretária recolheu a embalagem do hambúrguer.

"Devo telefonar para ele me desculpar? Sim, eu o magoei." Ela pôs a mão no telefone, apenas para retirá-la em seguida. "Não. O que vou dizer?" Suspirou. "Simplesmente peça desculpas. Sabe fazer isso, não?" Desta vez tirou o fone do gancho, porém o manteve no ar. "E se ele não tiver voltado para o hotel ainda? E se não quiser falar comigo? E se eu for a maior covarde que já existiu?" Suspirando em derrota, devolveu o aparelho ao lugar. Talvez fosse melhor deixá-lo sair de sua vida, mesmo que de uma forma tão traumática. Talvez...

O telefone tocou.

Anahí sobressaltou-se na cadeira.

Susan observava a silenciosa indecisão da chefe com ar interrogativo. De repente Anahí voltou a assumir um ar profissional, grata pela interrupção ao curso infrutífero de seus pensamentos.

- Viagens e Excursões Farrel, às suas ordens.

- Esteja pronta às sete! - disse uma voz masculina com firmeza, e a ligação foi cortada em seguida.

Anahí ficou a olhar atônita para o aparelho por alguns instantes, ouvindo o ruído de linha e as batidas do próprio coração.

Ele continuava zangado. E tipicamente objetivo. E ainda capaz de fazê-la sorrir, ela reconheceu, não sem espanto diante do tremor incontrolável dos lábios.


***


A campainha tocou as sete em ponto.

Anahí respirou fundo e enxugou as mãos úmidas de nervosismo. Enquanto atravessava a sala, pensamentos perturbadores passavam por sua cabeça. Devia ter telefonado de volta a ele e dado uma resposta negativa definitiva. Devia dizer-lhe isso agora e mandá-lo embora. Devia...

As idéias se perderam ao abrir a porta. Contra a própria vontade, a visão de Michael Jackson parado na varanda afetou seu lado feminino em parte sufocado.

Michael também se embevecia com a visão da mulher à sua frente. Parecia angelical no conjunto de lã rosa. Como da primeira vez que a vira, o impacto foi grande. Céus, que poderes sedutores aquela fada possuía? Também o surpreendia encontrá-la pronta para saírem, uma surpresa que suspeitava que fosse partilhada pela própria Anahí.

Ao perceber que estavam parados, apenas a se olhar em silêncio, ela se desconcertou.
- Eu... Bem, não sabia exatamente o que vestir. Você não disse aonde íamos...

- Você está... Bem. - Ele se absteve de um elogio mais efusivo e condizente com o que achava, receando provocar uma reação negativa. - Só precisará de um casaco. Está frio.

- Já separei um.

Seus olhares se cruzaram por mais um longo instante antes de ela se virar para apanhar o casaco cinzento pendurado no encosto de uma cadeira.

Mesmo sem ser convidado, Michael entrou na casa e apreciou a decoração. A classe imperava no ambiente sóbrio e simples. Como sua ocupante...

- Deixe-me ajudá-la. - Sem esperar resposta, ele se adiantou e segurou o casaco para que Anahí o vestisse.

Ela o fez mais do que depressa. De repente tudo que desejava era se distanciar daquele homem o mais rápido possível.
- Pronta?

- Pronta - ela confirmou, evitando encará-lo enquanto apanhava a bolsa.

A noite estava realmente fria, com o ar úmido e pesado da chuva que não havia caído.
A caminho do carro, Michael diminuiu o passo em consideração à Anahí. A consciência disso a impacientou com o andar que lhe parecia ainda mais lento que de costume.


- A propósito - ele observou, o hálito se vaporizando com ar frio - vamos a uma festa de aniversário. Do Christopher.

- Parece divertido. É uma surpresa?

- Pensávamos que sim. Mas ele me telefonou à tarde para perguntar o quanto devia se atrasar, pois queria nos dar tempo de preparar tudo.

Anahí riu com espontaneidade. Era bom fazê-lo depois de um dia tão tenso. Para Michael, por outro lado, era agradável vê-la sorrir.

- Tanto esforço para guardar segredo em vão - ela comentou.

- É verdade. Mas foi a última vez. Se bem que... Acho que vamos surpreendê-lo de qualquer forma.

- Suponho que não vá me contar do que se trata.

- Acertou! Você pode ser uma espiã.

- Tem razão, a própria Mata Hari.

Ao se aproximarem do carro e ele abrir a porta do passageiro, bastou um olhar para o assento baixo - que lhe dificultava a entrada e praticamente impossibilitava a saída - para apagar o sorriso de Anahí.

- O que foi? - Michael indagou.

- Nada. Peço-lhe apenas que tenha um pouco de paciência até eu conseguir entrar aí. Carros esportes são bonitos, mas...

-...Baixos demais - ele completou, só então lembrando da dificuldade dela para se erguer da poltrona na festa. Amaldiçoou a memória fraca. - Sinto muito. Esqueci esse detalhe. Vamos de táxi.

- Não seja tolo. Só levarei um minuto. De costas para o banco, ela se abaixou devagarzinho, ignorando a pontada de dor e deliberadamente escondendo o rosto dele. Quando pensou que não agüentaria mais, sentiu o estofado sob si. Afundou nele e relaxou, esperando a dor passar. - Pronto, não foi tão mau assim - balbuciou, com um sorriso forçado.

Michael, no entanto, não se deixou enganar. Sabia que ela mentia. Estranhamente, sofreu com a dor dela. Mais estranhamente ainda, decidiu aceitar a mentira pressentindo que se relacionava com orgulho. Sem uma palavra, fechou a porta e deu a volta para ocupar o volante.

- Ficará quente num instante - ele informou, ligando o aquecedor.


- Já me sinto melhor.

- Este tipo de tempo afeta você? Quero dizer, o frio e a umidade?

- Um pouco. Principalmente a umidade.

- Sente dor?

Anahí ia mentir, "minimizar" como Mayte costumava dizer, porém ele a impediu:
- Diga a verdade.

- Um pouco - ela admitiu. - Mais no quadril.

- Não há nada que os médicos possam fazer? Uma vez li sobre juntas artificiais.

- O lado direito do meu quadril já tem um pino de platina. Agora estou aguardando para operar o esquerdo também. Além disso, tenho implantes nos dedos e pulsos. Como vê, sou um verdadeiro embuste.

- Pois para mim - retrucou ele, desviando o olhar do trânsito para mirá-la - parece bem real.

O comentário provocou emoções estranhas em Anahí - Uma onda de calor lhe atravessou o corpo e as batidas do coração se aceleraram.
- Quando? - Michael quis saber.

- Quando o quê?

- Quando será a operação?

- Ah... Em abril. Assim que passar a semana do hotel fazenda.

Michael ia comentar que nada era mais importante que a saúde, contudo se conteve a tempo. Não se sentia no direito de fazer um julgamento tão pessoal. Preferiu mudar de assunto, embora a admiração por aquela mulher só aumentasse.

- A cirurgia porá fim à dor?

- No quadril, sim.

- Mas não ao resto do corpo?

De repente Anahí não sentiu mais inclinação para mentir.

De certo modo, constituía um alívio expor toda verdade sobre sua saúde. Tratava-se também de uma ousadia. Por alguma razão inexplicável, queria desafiá-lo a conhecer a verdade. Era como se pusesse à prova a reação dele.

- Não, a dor surgirá e desaparecerá a seu bel prazer no resto do corpo. A doença é cíclica. Ás vezes some, outras volta com força total. É totalmente imprevisível. - Com um sorriso irônico, acrescentou: - Faz parte do charme da enfermidade. Nunca se sabe que planos terão de ser cancelados.

- Entendo...


Ela duvidava. Simplesmente porque não havia como ele entender.
Ninguém, exceto um artrítico, seria capaz de compreender o que era planejar com antecedência, esperar ansiosamente a concretização dos planos e, então, vê-los destruídos. Não havia como explicar uma dor tão intensa, tão implacável que chegava a aterrorizar.

Esse pensamento conduziu naturalmente a outro, que a perturbara a tarde inteira. Será que a consciência daquela realidade acabara por levá-la ao pessimismo, a uma visão do mundo cheio de amargura?
Sempre se julgara realista, por pura questão de sobrevivência, porém, talvez a acusação anterior de Michael encerrasse algum fundamento.

- Acha realmente que sofro de um sério complexo?

A pergunta rompeu o silêncio e apanhou Michael totalmente desprevenido.
Ele notou o traço inegável de mágoa na voz dela e desejou se esganar pela língua solta.

- Eu estava com raiva quando disse isso. Talvez você não acredite - acrescentou, com um sorriso - mas tenho um temperamento forte.

- Não diga! Você, um temperamento forte?

Trocaram sorrisos diante da ironia; ela a imaginar que havia algo de encantador no dele, e ele a desejar beijá-la.

- Não respondeu a minha pergunta - Anahí insistiu. - Você me considera complexa?

- Digamos apenas que me parece que você não se vê como as outras pessoas a vêem. Caso contrário, jamais teria me dito o que disse lá no estacionamento.

Aproveitando uma parada no sinal vermelho, ele passou o braço pelos ombros dela e não resistiu à tentação de lhe tocar as pontas dos cabelos.

- Quero lhe garantir, Anahí, que não a convidei para sair por piedade.

Olhos nos olhos, não havia como duvidar da sinceridade daquelas palavras, e ela desejou perguntar por que então ele a convidara para sair. Mas não o fez. E ficou na dúvida se por recear o que ouviria em resposta ou o que não ouviria.

O momento de intimidade passou quando o semáforo mudou para o verde.
- Você parece conhecer bem a cidade - ela comentou, mudando de assunto.

- Nasci aqui.

- É mesmo?


- Sim, Para lá do Canal Irlandês.

Anahí conhecia o bairro a que ele se referia. Tratava-se originalmente de um reduto de imigrantes irlandeses, atualmente ocupado por minorias de várias raças. Havia se transformado numa área estranha. Por um lado, tinha uma ala pobre e violenta, em que não se recomendava andar sozinho à noite; por outro, passava por uma onda de renovação com a reforma de alguns dos antigos casarões para onde se mudavam executivos bem sucedidos.

- Então é realmente descendente de irlandeses?

- Eu precisava de uma desculpa para o meu temperamento.

- O temperamento que posso não acreditar que você tenha de verdade?

- Naturalmente.

- Seus pais ainda moram aqui?

- Não. Eles se mudaram para a Flórida alguns anos atrás. Os dois estão na faixa dos oitenta, mas continuam muito ativos.

- Que maravilha!

- É verdade. Eles agora desfrutam do prazer bem merecido. Levaram uma vida dura. Papai foi dono de uma loja de roupas durante trinta e cinco anos enquanto mamãe trabalhou como doméstica. Fomos muito pobres, só que nada impediu de sermos felizes.

- Tem irmãos?

Ele soltou uma gargalhada.
- Se tenho irmãos? Quatro irmãs e três irmãos, para ser exato. Papai costumava dizer que ele e mamãe fizeram pelo menos uma coisa bem na vida. Graças aos santos, puseram no mundo os bebês mais bonitos.

Ambos caíram na risada.
- Alguns deles mora aqui?

- Não. Estão espalhados por várias cidades. Porém, sempre procuramos nos reunir no verão. Em geral no feriado de quatro de julho. Nem sempre é possível, mas tentamos. Meus velhos nos embuíram de um forte senso de família, sem falar da absoluta questão que faziam de nos educar. Não queriam que os filhos tivessem de dar tanto duro quanto eles ou fossem tão pobres. "Não nos contentaremos com segundos lugares", papai sempre dizia. "Não nos satisfaremos com menos”.Assim, de oito filhos saíram três médicos, um advogado, um professor de lingüística, um contador público, uma nutricionista e...



-...Uma celebridade e grande amante - ela completou.

Michael sorriu com malícia da brincadeira, mas logo assumiu um ar pensativo.

- A verdade é que meus irmãos se esforçaram muito para chegar onde estão.

- Fala como se você não.

- Sou o único que não tem diploma universitário. Abandonei os estudos para me tornar jogador profissional. Quase matei meus pais de desgosto. Ele dizia que eu me contentava com pouco. Não que se opusesse ao futebol; pelo contrário, era um torcedor fanático. Mas achava que eu devia obter diploma. Vivia falando "Um dia o futebol acabará, e então Michael, o que fará?" Talvez o velho estivesse certo. Talvez agora eu esteja à beira do nada.

- Acho difícil acreditar nisso. Além do mais, não vejo por que alguém julgaria que você não se esforçou para chegar onde está.

- Na realidade não tive de dar duro nenhum. Jogar futebol é algo natural para mim. Nunca precisei me esforçar para isso. De fato, pensando bem, obtive tudo em minha vida com facilidade. Talvez com facilidade demais.

Para Anahí, parecia que ele falava como se devesse desculpas ao mundo por ser bom no que fazia, por ter talento. Também sentia um pouco de remorso da parte dele por desapontar o pai, embora não concordasse com esse ponto de vista.

- Talvez você não se veja como as outras pessoas o vêem - ela repetiu o que ouvira antes.

- Parece que caí em minha própria armadilha.

Anahí apenas sorriu em triunfo. Prosseguiram um pouco em silêncio, a atenção do motorista exigida para o tráfego intenso da noite de sexta.

- E você? - ele retomou a conversa. - Tem irmãos?

- Nenhum. Sou uma mimada filha única

- E seus pais?

- Estão mortos. Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos e minha mãe quando eu tinha vinte e um.

Após ouvir sobre a unida família Jackson, ocorreu a ela que nenhum dos seus relacionamentos mais significativos havia terminado bem. A morte do pai lhe ensinara muito cedo na vida que o amor não a ligava para sempre à pessoa amada. Uma lição reforçada pela perda da mãe.




Então sofrera a traição do noivo. Talvez, de forma irônica, tivesse tido a sorte em ser forçada a viver sozinha. Pelo menos não podia perder o que não possuía.

- Já foi casada?

- Não. Onde é a festa?

Michael fitou-a de relance, em dúvida: ela estava ansiosa para mudar de assunto ou apenas curiosa sobre a festa?
- Aqui no Sheraton - ele informou, indicando o hotel logo adiante.

Ao estacionarem, Anahí constatou que o frio e a umidade, somados aos esforços despendidos para entrar no carro, haviam deixado seu quadril ainda mais rígido. A dor aguda voltou só dela girar as pernas para fora do carro. Apoiando-se na porta, impulsionou o corpo para cima. Em vão. Os músculos se recusavam a cooperar de uma posição tão baixa. Tentou outra vez, ganhando apenas uma dor mais forte como recompensa. O suor lhe brotava na testa.

Além da dor física, havia outra - não menos mortificante - relacionada com orgulho ferido, com vergonha de expor sua debilidade àquele homem. Respirando fundo, porém, superou o embaraço e o encarou.

Michael entendeu o pedido silencioso de ajuda. Mas também sabia o que o gesto custava aos sentimentos de Anahí. Segurando-a pelo braço, colocou-a de pé num instante.

A dor percorreu a perna de Anahí, aumentando várias vezes com a pressão exercida sobre o quadril para que ela pudesse ficar de pé. A testa estava molhada, o coração acelerado e a respiração difícil.

- Obrigada - sussurrou como se expressasse um segredo de namorados.

- Não seja por isso - ele respondeu, ainda a segurá-la pelo braço.

Permaneceram alguns instantes assim, próximos, mas distantes, ambos esperando que a dor cessasse.

- Não precisamos ir à festa - sugeriu Mike.

Anahí o encarou com um sorriso, que embora débil expressava sinceridade.

- E perder a oportunidade de ser vista com Michael Jackson ? Está brincando!

Ele sorriu também, imaginando que jamais conhecera uma mulher como aquela. Tão linda. Tão desejada. A obsessão aumentava.




Anahí não era o tipo de mulher que Michael Jackson em geral levava a festas. Disso ela teve certeza no momento em que entrou na suíte lotada do hotel. Era evidente a expressão de surpresa nos rostos dos convidados.

Logo, porém, foi cercada por sorrisos e cumprimentos calorosos.
- Oi! - cumprimentou uma moça, aproximando-se.

- Já estava na hora de chegarem - um rapaz comentou em seguida.

- Ora, ora, se não é o Malandro Irlandês! - Christian mal disfarçou o espanto de ver Anahí. De repente compreendia a persistência do colega na agência após a sessão de fotografias. Ele se virou para ela. - Não me diga que uma moça tão bonita não conseguiu programa melhor para uma noite de sexta do que sair com esse sujeito.

- Não comece, Christian - Michael advertiu.

- Na verdade - Anahí retrucou sorridente - ele não me deixou escolha. Simplesmente telefonou e disse "esteja pronta". - Ela se surpreendeu com o próprio tom jocoso e o olhar maroto que lançou a Michael. Como recompensa, ganhou um sorriso estonteante.

- Ainda tentando se poupar da humilhação de ser rejeitado, hein, Jackson? – provocou Christian.

- O que posso dizer?- Ele encolheu os ombros. - Como vê, meu método funciona.

- E então, o que acha? - O companheiro de equipe mudou de assunto, indicando o quarto. - Está bem, não?

A suíte ampla estava decorada com faixas pretas como a simbolizar luto, além de balões e flores da mesma cor espalhados por todos os lados. Para completar um quadro grande trazia a inscrição: "Sinceras condolências".
- Fizemos um bom trabalho - confirmou Mike. - Isso deve deprimi-lo.

- É... Parece suficientemente lúgubre. Venha - Christian chamou Anahí - Vou apresentá-la ao pessoal. Obviamente esse mal-educado com quem você está não o fará.

- Gostaria de se sentar? - Michael perguntou a Anahí, falando em tom confidencial, Lembrava-se muito bem da dor que ela sentira há apenas alguns minutos, e que provavelmente ainda sentia.


A preocupação estampada em seus olhos esverdeados era tão genuína que a comoveu. Bem no fundo do coração, uma porta se abria para aquele homem.

- Eu me sentarei logo - ela cochichou em resposta, amedrontada com os súbitos sentimentos que a invadiam.

- Não deixe que ele a canse - alertou Mike. - Enquanto isso, vou até meu quarto apanhar o presente de Chris. Voltarei logo.

Anahí assentiu com um gesto de cabeça e seguiu Christian para as apresentações. O grupo se compunha de cerca de vinte pessoas, todas elas de uma forma ou de outra, ligadas ao meio esportivo. A maioria eram jogadores, acompanhados pelas esposas ou namoradas, entre as quais se destacava uma morena - líder da torcida dos Cowboys de Dallas - cuja beleza seria capaz de encantar qualquer homem. Seria do tipo com quem Michael normalmente era visto? Com toda a certeza!

Nada mais natural do que uma moça bonita e saudável namorar um homem bonito e saudável. Essa constatação apenas reforçou o que Anahí já suspeitava. Ela e Michael Jackson pouco ou nada tinham em comum.

Entretanto, embora se recusasse a reconhecer isso, ansiava por sua companhia. Quando ele voltou, seus olhares se cruzaram de imediato. Trocaram sorrisos, ela sentindo-se aliviada, flutuando de felicidade. Michael parou apenas para depositar o presente num monte de outros antes de se juntar a Anahí.

- Vejo que arrumou um lugar para se sentar.

- Se reparar bem, vai perceber também que é o lugar mais alto do recinto.

- Sinto muito quanto ao carro.

- Não foi culpa sua.

- Foi, sim.

- Não foi e assunto encerrado, Jackson.

- Como queira, srta. Puente. O que gostaria de tomar?

- Uma... Perrier.

- Não prefere um vinho?

- Não posso misturar bebida alcoólica com minha medicação.

- Que seja Perrier então. - Michael foi até o bar e voltou com dois copos de bebida.

- Isso não era necessário - ela protestou.

- Eu adoro Perrier.

- Quando foi à última vez que tomou uma?


- Vai jogar pesado, hein? Muito bem, deixe-me ver...Sabe, creio que esta é a primeira vez. Mas estou gostando. Juro que sim.

- Não mude seus hábitos por minha causa.

- Assunto encerrado, Giovanna.

- Mas não é necessário...

Ele encarou com ar de advertência.
- Como queira, Sr. Jackson.

Nesse instante, Christian aproximou-se deles.
- Está tudo marcado para as nove - disse, num tom conspiratório.

- Muito bem. - Michael consultou o relógio. - Ela disse quanto?

- Setenta e cinco. Podemos pagar depois.

- Ela disse quanto tempo durará?

- Uns quinze minutos.

Notando que Anahí fazia um ar intrigado,Michael tratou de tranqüilizá-la.
- Isso não é o que parece.

- Sinceramente, espero que não.

Naquele instante houve batidas à porta.
- É ele! Alguém sussurrou.

- É o Chris!

- Rápido! Vamos nos esconder!

- Por quê? Ele sabe que estamos aqui - uma voz argumentou.

- Vamos, rapazes! - Christopher berrou do outro lado da porta. - Abram aqui e comecemos logo essa festa!

- Eu não disse? - comentou alguém.
- Peguem a cadeira! Peguem a cadeira!

Todos se enfileiraram diante da porta enquanto um dos rapazes trazia a cadeira de rodas previamente escondida no banheiro.

- Já não era sem tempo... Chris desabou quando a porta se abriu. O que é isso, pessoal? - ele se referia à cadeira. Alguém o obrigou a sentar-se nela e outro colocou um xale rendado sobre seus ombros.

A festa começava, com risos, bebidas, comida e diversão. Anahí não ficou imune ao espírito comemorativo. Ainda que a dor no quadril persistisse, divertia-se de verdade, sempre procurando se concentrar em algo positivo, tal como a piada que o aniversariante contava. Ela riu como todos.

- Está contente por ter vindo? - Michael sussurrou-lhe ao ouvido. Ele não saíra de seu lado desde que voltara com o presente de Chris.

- Sim, seus amigos são muitos simpáticos. - Notando que ele segurava uma lata de cerveja, Anahí não conteve uma provocação: - O que aconteceu Mike? Acabou o estoque de Perrier?


Sem nada dizer, ele sorriu da brincadeira e apertou-lhe a nuca. A avalanche de sensações que o contato causou felizmente foi reprimida pelo anúncio de que era hora de Chris abrir os presentes.
Ao consultar o relógio e constatar que faltavam vinte minutos para as nove, Michael insistiu nisso.

- Gostaria de ter trazido um presente também - Anahí comentou.

- Não se preocupe. Coloquei seu nome junto com o meu no cartão... Ontem.

Surpresa diante daquela declaração, ela tentou ficar séria, reclamar, porém não resistiu. Acabou rindo.
- É sempre tão convencido, Mike?

- Você está aqui, não?

Ela foi obrigada a se render às evidências. Aliás, não podia negar que se divertia ou que jamais tivesse conhecido alguém como Michael.

Uma gargalhada geral atraiu sua atenção outra vez para a festa.
Muitos dos presentes eram jocosos - vitaminas, polidor de dentadura e tubos de linimento - embora Anahí não considerasse trinta e dois, por exemplo, não se julgava velha. Também não faltaram as lembranças picantes, vexando-a.

- Sinto muito - Michael se desculpou em meio às gargalhadas.

- Não me diga que nosso presente está entre esses.

- Não está. Nós lhe demos um suéter perfeitamente normal.

O suéter foi o último presente aberto, provocando surpresa entre os convidados.
- Obrigado a vocês - o aniversariante agradeceu a Anahí e Michael.

Ela sorriu em resposta, mas no íntimo estranhava a associação com um homem, mesmo daquela forma descompromissada. Era uma sensação que, se não a agradava, tampouco a desgostava.

O bolo de chocolate tinha mais calorias do que Anahí devia consumir. Entretanto ela comeu todo pedaço que lhe foi servido.

- São nove horas - ela observou. - A propósito, não me deixe comer outra fatia desse bolo mesmo que eu implore, chore ou lhe ofereça muito dinheiro.

- Quanto está pensando em me oferecer? -Michael brincou.

- Não muito.

- Nesse caso não poderá comer outro pedaço de bolo. Bem, já são nove horas. A surpresa está atrasada.

- Michael!

- Ela chegou.


Michael se juntou sem demora ao amigo na porta apenas entreaberta. Então trocaram cochichos e sinais incompreensíveis.
- O que está acontecendo? Alguém deu o alarme.

- Quem chegou? - outro quis saber.

- O que vocês estão tramando? - berrou Christopher, desconfiado, ainda na cadeira de rodas.

Michael nem Christian deram atenção às perguntas. Finalmente Christian correu até um gravador sobre a mesa.
- Christian? -Michael jogou com precisão profissional uma fita nas mãos do outro.

- Gol! - alguém gritou.

- Aí, infernais!

- O que está acontecendo, afinal?

Sem mais demora, Christian pôs a fita para tocar. A expectativa dominava a todos, e Anahí não era exceção à regra.

De repente a música encheu o ambiente. Um ritmo tipicamente oriental.
- Senhoras, senhores e estimado aniversariante – Michael anunciou - tenho a honra de lhes apresentar Diva!

Uma jovem morena entrou no quarto a dançar. Diante da visão da bela moça num esvoaçante traje de seda vermelha, típico da dança do ventre, a platéia irrompeu em aplausos, assobios e risos.

- Vamos, Uckermann, aja como um homem! - um dos amigos gritou.

- Vou pegar vocês dois - ameaçou o aniversariante.

- Não vai não, meu caro - retrucou Christian. - Porque essa moça não o deixará em condições de pegar ninguém.

A gargalhada foi geral.

Diva emprestava uma sensualidade toda especial à dança. Seus cabelos longos balançavam lascivamente nas costas enquanto uma meia-lua dourada cintilava na testa. Os seios voluptuosos pareciam prestes a escapar da tira de pano que os cobria, e o tecido diáfano deixava entrever as pernas bem torneadas. Uma fina corrente de ouro lhe envolvia a cintura.

Tirando uma faixa de seda que fazia parte do traje, ela a passou pelo pescoço de Chris e o puxou para si, ficando com os quadris a centímetros do rosto dele. Encabulado, o aniversariante não sabia o que fazer. E todos riram com sua timidez.

Os insinuantes movimentos abdominais de Diva eram uma alegoria ao eterno desejo entre o homem e a mulher. Aos poucos, Anahí sentiu despertar de uma emoção que tanto se empenhara em manter adormecida.
Tratava-se apenas do vestígio de uma emoção, de um lampejo da percepção de que, por trás de seu comportamento frio e apesar da deficiência, era uma mulher com as mesmas carências afetivas de todas as mulheres.

A vibração das cordas, a batida dos tambores, o estrépito dos pratos, a ondulação dos quadris... Tudo evocava o ritmo do ato de amar...

Como se tivessem vontade própria, os olhos de Anahí procuraram os de Michael, do outro lado do recinto.
Ele olhava para ela, não para a dançarina.
Desta vez não sorria. Mas fitava-a com uma expressão significativa. Por um momento o coração de Anahí pareceu acompanhar o ritmo da música. Pulsante e inebriante.
Ela desviou o olhar, perturbada. Por que o tinha encarado? Por que seu coração batia tão depressa? A ânsia de paz emocional obrigou-a a não questionar naquele momento.

Então procurou concentrar-se na exibição. Diva deslocava a atenção para os outros presentes - um sorriso sedutor aqui, um requebro provocante ali. Inevitavelmente se aproximou de Michael. A reação dele foi cortês, porém indiferente.

Não surpreendeu Anahí a escolha da dançarina. Mike era sem dúvida o homem mais bonito da festa, além de possuidor de um charme irresistível. Alguém que parecia viver cada momento em sua plenitude, um ser radiante no sentido mais amplo da palavra.

Essa imagem contrastava com a que Anahí fazia de si mesma.
Considerava-se o retrato da frustração, do desânimo, enquanto Michael era a vivacidade, o otimismo em relação ao futuro.

Diva passou a faixa ao redor do pescoço dele. Ambos sorriram instigados pelos espectadores. Só Anahí não vibrou com a cena. Em seu íntimo surgia um sentimento que ela recusava a classificar como ciúme, embora fosse perturbador, quase insuportável.


A música acabou abruptamente. Seguiram-se os aplausos. Com um sorriso insinuante, Diva puxou a faixa do pescoço de Micael e se aproximou de Chris. Deu-lhe um beijo, parabenizando-o pelo aniversário, antes de se retirar erguendo a tira de seda num movimento sensual. Christian e Mike a acompanharam até a porta, quando então lhe pagaram pela apresentação.

Emocionalmente e fisicamente inquieta Anahí levantou-se, sentindo dores no quadril. Devia tomar um analgésico agora? Talvez fosse melhor esperar um pouco mais.

- Aceita outra Perrier? - ofereceu a bela líder da torcida dos Cowboys.

- Sim, obrigada.

- Foi uma exibição empolgante! - a moça comentou enquanto servia a bebida. - Imagine ser capaz de se mover daquele jeito. Eu mal consigo levantar a perna para o alto, mas aquela dançarina...

- Ela é realmente impressionante - concordou Anahí. Imaginando que se contentaria em poder mover-se normalmente.

- O que aconteceu com você? Um acidente? - Era uma pergunta típica, que de forma alguma ofendia Anahí.

- Não, sofro de artrite.

- Artrite? Mas você é tão jovem!

- Essa doença não respeita idade.

Enquanto as duas conversavam, alguém pôs uma fita romântica para tocar. Outra pessoa abriu as cortinas, revelando Nova Orleans em toda sua magnitude milhares de luzes cintilando como diamantes na noite escura.

Anahí pressentiu a presença dele antes mesmo de vê-lo.
- Você está bem? –indagou Michael.

- Levantei-me um pouco para descansar. Ficar sentada muito tempo é quase tão ruim quanto permanecer de pé.

- Dói?

Alguém apagou as luzes, deixando apenas a luminosidade tênue de um abajur criar um ambiente romântico. Alguns casais começaram a dançar.
- Nada de se aproveitar do escuro - uma voz masculina advertiu.

- Por quê não? - outra pessoa rebateu.

- Muito bem, todo mundo se agarrando - concluiu a primeira voz.

- Estou bem - Anahí respondeu evasivamente à pergunta de Michael .

- Então vamos dançar.


Antes que ela pudesse considerar a proposta, Mike envolveu-lhe a cintura, puxou-a de encontro a si e ficou imóvel, abraçando-a.

Quando a surpresa inicial passou, a realidade da situação deixou-a aturdida. Estava nos braços de Mike, sentindo o cheiro másculo de sua colônia, o rosto quase colado no dela.

- Abraçar-se, minha querida - ele lhe sussurrou ao ouvido, provocando um arrepio-, é no que se resume a dança de todos os casais.

Querida... Ele a chamara assim com raiva e de brincadeira. Como a palavra soaria pronunciada com amor? Bem, não adiantava perder tempo com essa idéia. O importante agora era ignorar aquela leveza que os braços fortes lhe transmitiam. Para isso, resolveu puxar assunto.

- Por que é tão ruim chegar aos trinta?

- Em nosso meio, significa atingir a meia-idade. Passando muito disso, já se é considerado um velho. A partir dessa idade, ficamos em compasso de espera.

- Como assim?

- Espera pela decadência do corpo. Os joelhos em geral são os primeiros. Nos quarto zagueiros também o braço arremessador. Aguardamos então o dia negro em que nos sentiremos a incapacitados para jogar. - Ele a encarou. A expressão sombria. - Estou com trinta e cinco. Quase trinta e seis. - De repente lhe parecia importante partilhar isso com ela.

Anahí, por sua vez, compreendeu o temor que ele sentia e ansiou por consolá-lo.

- Você está uma excelente forma física - murmurou, sentindo a força dos braços dele, a rigidez do peito e a firmeza dos músculos da coxa.

- Está falando como médico do time ou como mulher? - A expressão sombria dava lugar ao ar maroto de sempre.

- O que as outras mulheres dizem? - ela perguntou impulsivamente.

- Nada... Elas sequer suspeitavam da minha crise dos trinta e cinco anos.

Anahí se conscientizou de que estava conhecendo uma faceta daquele homem que poucos, se é que alguém, conheciam.


- "Medo é a cor da meia-noite" - ela recitou num sussurro. - "O som de demônios desconhecidos que chamam seu nome. Medo é fogo, e tempestade, e lugares indescritivelmente frios com os ventos da vida. Medo é trilhar por um caminho escuro e inalterado e de repente perceber que ele não leva a lugar nenhum. Mas ter de caminhar para sempre por ele. Sozinho."

Michael fitou-a consciente de que ela também conhecia o medo. Anahí se desconcertou e riu.
- É apenas algo que li uma vez.

Sem nada dizer, Michael tomou-lhe as mãos e levou-as até seu pescoço. Então voltou a abraçá-la pela cintura.

Os dois corpos se roçavam à altura dos quadris. Para ambos, porém, o momento era mais do que sensual. Também tinha algo de espiritual. Dois seres e os ventos frios da vida...

Com uma persistência implacável, a dor começou a se intensificar, tornando-se a cada minuto mais forte e aguda, obrigando Anahí a buscar uma postura menos incômoda.

- Você está bem?

- Sim - ela mentiu, ansiosa por não sair do calor daquele abraço.

A música acabou. A dor não.
- Alguém já lhe disse que você dança muito bem? – Michael perguntou.

- Para ser franca, não. - Ela apressou-se em buscar uma posição confortável no banco alto.

- O que acha disso,Michael ? - alguém da turma o interpelou.

Aproveitando a distração dele, Anahí pegou um comprimido na bolsa.

- O que acho sobre o que?

- Sobre viajar para o Colorado amanhã. O suéter novo de Chris nos inspirou a ir esquiar.

- Vamos sim - outro encorajou.

- Por que não? - interpelou Chris. - Estamos de férias.

- Podem contar comigo - Christian também aprovou a idéia.

- Eu também - mais um gritou.

Enquanto isso Anahí tomou o analgésico com água Perrier. Em questão de minutos, a viagem para esquiar estava planejada.

- E então,Jackson , vai conosco ou está fora?

- Pensarei a respeito - ele respondeu, os olhos fixos em Anahí desde que a vira tomar o comprimido. Não era preciso muita imaginação para adivinhar para que servia o remédio.



Capitulo 4


"A menina da melodia
Que canta à luz do meio-dia
Ela estava lá gritando
Ritmando sua voz em seu destino
Mas ninguém veio salvá-la a tempo


Ela está deitada lá tão delicadamente
Arrumada tão graciosamente
Levante-a com cuidado
Oh, o sangue em seus cabelos


Little Susie-MJ''



- Você também, Anahí, venha conosco - convidou a líder de torcida. - Vamos nos divertir muito esquiando, sentando perto da lareira para tomar conhaque quente e... - A moça se interrompeu ao se dar conta do que dizia.

- Obrigada pelo convite. - Como sempre, Anahí procurou contornar o embaraço da garota. - Por mais tentador que o fogo e a bebida pareçam, preciso trabalhar. Divirtam-se vocês.

A conversa voltou para a viagem.

- Vamos embora - declarou Mike, apanhando os casacos.

- Mas são apenas nove meia.

- Pelo que sei, levará cerca de vinte minutos até a medicação surtir efeito. - Diante da expressão de espanto de Anahí, acrescentou: - Você não foi tão rápida. Não sabia que os quartos-zagueiros enxergam pelo rabo do olho?

Todos tentaram impedir a saída do casal. Entretanto, sem revelar o motivo, Mike continuou firme no propósito de partir.

- Preciso passar em minha suíte - informou ele, no corredor. - Espere por mim no elevador. Assim poupará alguns passos.

Ele não demorou mais do que alguns minutos, voltando com os braços cheio de travesseiros.

Anahí não teve tempo de questioná-lo, pois o elevador chegou em seguida, revelando várias expressões curiosas por causa dos travesseiros.

- Sim, madame?

Ela não resistiu ao seu ar de inocência e caiu na risada.

- Como se sente? - ele perguntou, preocupado.

- Estou bem. Para que são os travesseiros?

- Já disse, vamos a uma...

- ...Orgia - ela completou.

Na verdade, os travesseiros serviram para mantê-la mais alto no assento incomodamente baixo do carro esporte. Um deles serviu para apoiar sua cabeça.

Pouco falaram durante o trajeto de volta. Anahí, por sua vez, estranhava sentir-se tão segura com aquele homem, praticamente um desconhecido. Apesar de um pouco atordoada, por causa do comprimido, notou pela primeira vez uma cicatriz na têmpora dele, que só tornava mais atraente. Como a teria conseguido?

- Jogando futebol, é claro - ele esclareceu ao notar seu ar interrogativo. – Alguém decidiu passar por cima da minha cabeça.

- Doeu?

- E como. Numa escala de um a dez, doeu quinze.

Anahí sorriu.
- Pois meu quadril dói uns dois pontos, mas estou grogue uns sete.

- Chegaremos em sua casa dentro de três.

Ela riu, um riso encantador.

"Deus , como ela é linda!", ele pensou. "E tão corajosa!"

Instantes depois, estacionavam.
- Seria capaz de dormir aqui a noite toda - ela balbuciou.

- Por mim, está bem.

- Mas desconfio que você não me agradeceria pela manhã, quando nenhum dos dois conseguisse andar. - Anahí endireitou-se lentamente e, com ajuda dos travesseiros, abriu a porta do carro e se levantou do assento antes que Michael desse a volta.

O ar frio e revigorante da noite ajudou Anahí a vencer a sonolência. Tanto que, ao chegarem à porta de sua casa, o nervosismo a perturbava.

Sem pedir licença. Michael tirou-lhe a chave da mão e abriu a porta.

- Eu... Me diverti muito esta noite - ela comentou ao receber a chave de volta.

Poncho não disse nada.

- Gostei de seus amigos.

Ele continuou calado.

- Só sinto termos saído tão cedo. Não era necessário. Eu teria ficado um pouco tonta, mas...

O lenço rosa e cinza amarrado ao pescoço de Anahí esvoaçou ao sabor de uma rajada de vento. Michael estendeu o braço para afastá-lo do rosto dela. Por puro acaso seus dedos roçaram-lhe os lábios.

Dois mundos pararam.

Duas respirações se alteraram.

Dois corações dispararam na quietude da noite.

Lentamente, a ponto de a principio Anahí achar que era sua imaginação. Michael aproximou o rosto do dela, à procura de seus lábios.

Desejo e medo entraram em conflito. Ela ansiava pelo beijo como há muito não desejava algo. Fazia tanto tempo que não experimentava aquela carícia, tanto tempo... Contudo, se tinha de trilhar sozinha o caminho para o nada, por que sobrecarregar o coração com lembranças?

-Não - sussurrou, virando o rosto quando o beijo já parecia inevitável.



Minutos se passaram sem que nenhum dos dois falasse. Finalmente Michael se afastou. Seus olhares se cruzaram mais uma vez, com ternura ele lhe acariciou o rosto.
- Vá descansar.

Anahí o esperou partir e fez o que ele lhe sugerira, porém, com a consciência de que havia desejado o beijo. E com a certeza ainda maior de que Michael sabia disso.



***


- Onde esteve ontem à noite? - A pergunta de May foi mais eficaz para acordar Anahí do que o despertador e uma xícara de café forte. - Telefonei várias vezes para saber se queria ajuda para fazer a hidromassagem. Até que concluí que você havia saído.

- Eu... Fui a uma festa de aniversário.

- É mesmo? De quem?

Anahí hesitou, mas não teve outra alternativa senão contar a verdade.
- De Christopher Uckermann. - Como não houvesse comentário, foi forçada a acrescentar, um tanto irritada: - Bem, não vai dizer nada?

- Esperava que você contasse algo por livre e espontânea vontade.

- Está bem. Que tal isso? Michael Jackson me convidou para a festa, eu recusei, tivemos uma discussão e ele me obrigou a ir de qualquer maneira.

- Ora, ora, então Jackson não é apenas um pedaço de mau caminho. É inteligente também.

- O que você quer dizer com isso?

- Que ele foi esperto o suficiente para não lhe dar ouvidos.

- Escute, May, não tire conclusões precipitadas. Foi simplesmente um... – Anahí interrompeu-se, à procura de um termo que descrevesse o que tinha ocorrido na noite anterior.

- Um encontro?

- Não.

- Como não? Não é esse o nome que se dá quando um homem convida uma mulher para sair?

- Ele não me convidou para sair.

- Você disse que sim.

- Bem, ele me convidou, mas não é o que você está pensando. Não foi um encontro.

- O que foi, então?

Anahí emudeceu, ainda incapaz de entender o significado da noite anterior. Não sabia por que ele a tinha convidado para a festa, muito menos por que quase a beijara. Até perdera a conta das vezes que fantasiara não ter virado o rosto e aceitado o beijo.

- Anahí, você não reconheceria um elefante, mesmo que ele a envolvesse com a tromba e jogasse cascas de amendoim a seus pés.

- O quê? O que um elefante tem a ver com a história?

- Não importa. Vai sair com ele outra vez?

- Não! Isto é, ele não me convidou. Se bem que não aceitaria, mesmo que o fizesse. Além do mais, ele está em Colorado. Alguns amigos iam esquiar e... Tenho certeza de que ele foi junto. Aliás, por que o chamam de Malandro Irlandês?

- Tem a ver com a atitude dele, suponho. Ele leva fama de brincalhão, animador de festas e...

- Conquistador?

- Ora, Anahí, seja razoável. Ele é divorciado e atraente, além de famoso. Naturalmente, mulheres não lhe faltam.

- Divorciado?

- Não sabia?

- Não sei de nada sobre ele. Com quem foi casado?

- Lisa Presley- Mayte parecia relutante ao revelar.

- Lisa Presley ? A modelo? - Era impossível abrir uma revista feminina e não encontrar uma foto dela estampada numa das páginas.

- Sim.

Anahí não pôde deixar de comparar a perfeição física da ex-mulher de Michael com sua própria imperfeição. De repente sentiu vontade de rir, e riu.

- Qual é a graça?

- Nenhuma. - Anahí se via desfilando numa passarela de bengala. - Absolutamente nenhuma.

- Anahí!

Algo no tom de voz da amiga a fez voltar ao sério.

- Por favor, nada de sermões sobre minimização ou o que quer que seja, está bem?

- Certo. Nada de sermões.

- Escute, preciso ir trabalhar. Está bem?

- Claro, eu também.

- Desde quando trabalha aos sábados?

- Normalmente não trabalho, mas Jason Holland é meu mais novo paciente e precisa de um programa intensivo de exercícios.

Anahí desconfiou que a amiga fazia um trabalho voluntário e admirou sua generosidade.

- Dê-lhe um abraço por mim.

- Fique tranqüila, darei. Ah... Já ia me esquecendo...Tenho um compromisso hoje à noite, portanto, a hidromassagem fica para amanhã. Uma das enfermeiras do hospital arranjou-me um encontro com o irmão dela que está em visita à cidade.

- Isso tem futuro?

- Não. Ele parece um sujeito desinteressante, mas devo um favor à irmã dele.

- Divirta-se.

- Obrigada. Só mais uma coisa, Any.

- Sim?

- Para variar, não se menospreze, certo?

Antes que ela pudesse responder, Mayte desligou.
O dia passou depressa. Anahí trabalhou na agência até uma hora e, de volta a casa, ocupou-se com afazeres domésticos. As lembranças de Michael, porém, invadiam seus pensamentos a todo instante. Sempre acompanhados pela Lisa Presley.

Quem seria sua atual namorada... Ou namoradas?
A curiosidade surgiu de repente, enquanto jantava um sanduíche de presunto e queijo. Quem quer que fosse, sem dúvida não tomava analgésicos as nove e meia nem estaria na cama às dez. Muito menos usaria bengala, linimento ou travesseiro para se acomodar melhor num carro esporte. E com certeza esquiava, dançava e fazia amor... Tudo isso sem que o par fosse obrigado a dar atenção especial a fim de não machucá-la. Quem teria ido ao Colorado com ele?

Depois do jantar, Anahí preparou-se para uma ducha rápida. Embora fossem apenas seis e meia, queria ficar à vontade e ler. Talvez até acendesse a lareira para ouvir o crepitar do fogo afastando o frio da noite.

Após o banho, vestiu um velho jeans, com uma camiseta ainda mais velha, e voltou para a sala.
Incapaz de resistir à tentação que combatera o dia todo, apanhou um exemplar da revista Glamour e a folheou.
Lisa estava na página noventa e sete, deslumbrante como sempre.

Teria aquela mulher imaginado os beijos quentes e ardorosos de Michael ?
Não, ela não precisara imaginar. Soubera com certeza. Por isso, Anahí a invejava. E não se perdoava pela tolice de ter rejeitado a oportunidade.

Pouco depois das sete, a campainha da porta tocou. Sem motivo aparente, o coração de Anahí disparou. Embora a razão argumentasse que ela não poderia saber quem estava do outro lado da porta, não se surpreendeu ao deparar com Michael na varanda.

O que a surpreendeu e até a amedrontou foi à felicidade de constatar que ele não foi para o Colorado.


- Oi - ele a cumprimentou com um sorriso indolente, chamando a atenção de Anahí para os lábios com os quais ela sonhara o dia inteiro. - Sei que devia ter ligado antes de vir. Se tiver algum compromisso, irei embora pacificamente... Bem, talvez não tão pacificamente, mas irei embora.

- Não... Não tenho nenhum compromisso. - De repente, ela se arrependeu por ter vestido roupas velhas e estar sem maquiagem.

- Ótimo. Quer ir para o Colorado comigo, então?

- Como?

- Vamos para o Colorado. Ou, mais precisamente , vamos trazer o Colorado até nós. Srta. Puente - ele impostou a voz. - tenho o prazer em informar que acaba de ganhar uma viagem com direito às despesas pagas para duas pessoas a Aspen Colorado. Isto é, se conseguir responder a uma pergunta. - Michael apanhou a cesta de vime o gravador a seus pés, que Anahí não notara até então, e entrou sem pedir licença. - Por favor, nenhuma ajuda da platéia - completou. Sua atenção se fixou na lareira já acesa. - muito bem. Não me lembro se você tinha uma lareira, e definitivamente não se pode fazer jus ao Colorado sem um fogo crepitante. Tem mais lenha?

- Sim, lá no quintal.

- Ótimo. Talvez precisemos mais tarde. Se estiver muito frio no Colorado. Agora está pronta para a pergunta? - Sem esperar confirmação, ele despiu a jaqueta, afastou a cadeira de balanço bem como a mesa de centro, abrindo espaço suficiente diante da lareira para estender uma toalha xadrez vermelha - Srta. Puente, não a ouço.

- O quê? - Anahí não sabia o que pensar diante da constatação de que Michael Jackson estava em sua sala, modificando a arrumação dos móveis, sem sequer lhe pedir licença.

- Ah, agora posso ouvi-la. Eu disse: "Está pronta para a pergunta?". Tem duas escolhas.

- De perguntas?

- Não. Duas escolhas de onde se sentar em meu avião. Na segunda ou na primeira classe. A segunda é uma cadeira e a primeira, a toalha.

- Sem dúvida nenhuma, vamos de primeira classe. - Ela começava a se imbuir do espírito do jogo.

- Pode abaixar-se sem problemas? - Mike ficou sério de repente.

- Se você me ajudar.

- É claro que sim. - Mais do que depressa, ele a segurou nos braços e se ajoelhou para colocá-la sobre uma toalha. - Está tudo bem?

- Sim, mas... Não é um pouco prematuro embarcarmos já? Afinal, ainda não respondi à pergunta.

Ele pôs a bater palmas e assobiar.

- Srta. Puente, acaba de dar a resposta certa à pergunta. Bem vinda ao Colorado!

O calor proveniente da lareira e a música romântica do gravador de Mike criavam o clima do Colorado imaginário. Além do riso e das histórias mirabolantes, entremeados por momentos agradáveis de silêncio e olhares demorados que Anahí não conseguia explicar.
Aliás, só a presença daquele homem bastava para deixá-la aturdida, o que também não conseguia explicar.

De fato, nem tentava mais.

- Está nevando outra vez - ele rompeu o silêncio, olhando para a janela.

Apesar do frio, não havia a mais remota ameaça de neve naquela noite. Voltavam ao jogo de faz de conta, ao qual Anahí aderiu sem hesitar...

- Para mim, parece mais uma nevasca.

- No mínimo. Será que ficaremos presos aqui?

- Com a garrafa térmica de conhaque, quem se importa?

O sorriso insinuante de Mike afetou-a a tal ponto que ela logo tratou de mudar de assunto.
- Seus amigos foram esquiar?

- Sim. - Pressentindo a pergunta que ela gostaria de fazer, acrescentou: - Tive assuntos a tratar por aqui. - O olhar mais demorado revelava de que assunto se tratava, mas Anahí se recusou a admiti-lo, atribuindo-o à sua imaginação. - Como se sente?

- Bem, não se preocupe.

- Tem certeza? Não precisa se levantar um pouco, por exemplo? O chão duro não a machuca?

- Não, estou realmente bem. - No decorrer da noite, ele tomara o cuidado de deixar algumas almofadas à mão, caso ela necessitasse.

- Dormiu bem a noite passada?

Ela dormira péssimo, embora não devido a dor, mas ao fato de quase terem se beijado. Sua resposta, porém, foi evasiva:
- O comprimido surtiu efeito.



- Os especialistas sabem o que causa a artrite reumática?

- Ainda não. Pode ser um tipo de vírus que desencadeia a doença de modo que o organismo é atacado e não tem condições de reagir. Talvez também haja um fator de suscetibilidade de genética em jogo. A tensão pode até preparar o terreno para o aparecimento da enfermidade. Os pesquisadores apresentam uma série de hipóteses, mas nada definitivo.

- A dor é nas juntas, certo?

- Basicamente.

- Como assim?

- Trata-se de uma doença sistêmica. Pode envolver o corpo todo: coração, pulmões, pele, nervos, quase tudo. Tenho sorte, pois minha dor se limita a juntas e músculos. Embora afete, em maior ou menor grau, quase todo organismo.

- Isso significa que, às vezes, você sente dor generalizada?

- Sim.

- Muita?

Anahí relembrou as longas noites em que havia agonizado sozinha. De certa forma, a solidão parecia intensificar a dor, assim como a noite em comparação com o dia.

- Sim. Mas a gente aprende a suportar. E há algumas fases boas, que chegam a durar meses. Talvez até anos. Nesse caso, os médicos dizem que está em remissão.

- A sua já esteve em remissão?

- Não, embora tenha passado uns dois anos em condições muito boas. Entretanto a dor voltou.

- Como foi o começo de tudo? Como se sentiu quando descobriu o que tinha?

- Michael, essa história tem alguma importância? De repente ela hesitava em se mostrar imperfeita. Queria ser perfeita como Michael. Além disso, não sabia como descrever as emoções que ninguém jamais lhe pedira para expressar.

Michael percebeu a relutância. Não a tocou, embora o desejasse.
Queria segurar suas mãos e lhe pedir que desabafasse. Ansiava por saber tudo sobre ela: o bom, o mau, tudo.

- Conte-me - insistiu, envolvendo o copo com ambas as mãos para afastá-las da tentação de tocá-la.




Capitulo 5



"Lembra daquelas paredes que construí
Bem elas estão desmoronando
Elas nem tentaram ficar em pé
Nem fizeram um som


Eu achei um jeito de deixa lo entrar
Mas eu nunca tive dúvida
Sob a luz de sua auréola
Eu tenho meu anjo agora


É como se eu estivesse despertando
Todas as regras que eu tinha
você está quebrando
É o risco que eu estou correndo


Eu nunca vou te calar
Em todo lugar que eu olho agora
Estou rodeada pelo seu abraço
Baby eu posso ver sua auréola


Você sabe que é minha graça salvadora
Você é tudo que eu preciso


Beyoncé-halo "



Ela encarou, erguendo o olhar das mãos que por um instante lhe deram a impressão de que tocariam as suas. Tudo ficaria bem então.
Impacientou-se com esse pensamento. Estava sozinha há bastante tempo e assim permaneceria por mais tempo ainda.
Entretanto, o interesse autêntico revelado pelos olhos esverdeados a compeliu a atender ao pedido.

- Bem, a doença se manifestou a princípio nos pulsos. Era apenas uma irritação e um pequeno inchaço. Passou em questão de dias, numa das crises, não consegui sequer erguer um prato, e por isso procurei um médico. - As lembranças de dez anos atrás lhe trouxeram um sorriso amargo. - Sabe, é engraçado como aquele dia parece gravado em minha mente. Lembro-me do médico, do consultório, do tom sério de sua voz...

Anahí fez uma pausa, assumindo uma expressão sombria. Ao voltar a falar, a voz estava embargada pela emoção.

- Quando saí do consultório, nevava. Eu sentia os flocos caindo sobre os cabelos e a pele. Imaginei na hora que deveria estar exultante, pois não neva com freqüência em Nova Orleans, mas só me sentia entorpecida. Emocionalmente entorpecida. O médico não disse que a doença era séria, porém deduzi que sim pelo tom de sua voz. Era o mesmo de outro médico, seis meses antes, ao anunciar que minha mãe tinha morrido. Batizei-a de a voz da III Guerra Mundial - concluiu, forçando um sorriso.

- Ficou assustada?

- E como! - Ela nunca havia admitido isso a ninguém. Com Michael, porém, a confissão saiu espontânea. - Foi como... Sei lá, como se eu perdesse o controle da minha vida, como se o comando dela escapasse. Nunca me senti tão vulnerável. Parecia presa numa armadilha, sem saída. Simplesmente não há como apelar à doença, como argumentar. Ela chega, se impõe, e pronto.

- Continua assustada?

- Ás vezes, quando a crise é muito séria. A dor, a imprevisibilidade, a improbabilidade de cura, a incerteza quanto ao amanhã, tudo me assusta.

- Todos nós, de alguma forma, receamos o amanhã – Mike argumentou. - Pelo menos quem tem bom senso.


- Sim, mas admita que você, por exemplo, tem menos motivos do que eu.

- Isso é verdade - ele concordou a contragosto. Seguiu-se um breve silêncio até que acrescentou: - Você disse que a tensão pode influenciar a manifestação da doença. Estava sob pressão quando a sua começou, não? Quero dizer, com a morte recente da sua mãe?

- Sim. Não só pela morte em si, mas pelos longos meses em que ela esteve doente. Eu estava esgotada quando tudo acabou.

Michael tentou compreender como aquela mulher havia lidado com tanta tragédia e de forma tão corajosa, tão abnegada. Desejava poder recompensá-la, protegê-la, abraçá-la.

- Você estava só quando descobriu a artrite?

Anahí hesitou. Não queria contar que estava noiva na época, pois isso implicaria revelar que depois de um ano o noivado terminara, deixando-a mais solitária ainda.

- De certa forma, sim. - Mesmo com o noivo ao lado, sentira-se emocionalmente só. Pensando na morte dos pais e na traição do homem que amara, deu-se conta que de uma maneira ou de outra sempre perdia aqueles a quem amava. Antes que tomasse consciência do que dizia, as palavras lhe escaparam da boca: - Às vezes acho que a canção está certa. O amor é apenas para os felizardos e fortes.

A resposta não iludiu Michael. Ele intuiu que Anahí havia deixado muito por dizer. E seria capaz de apostar que a parte oculta se relacionava com um homem. Ela fora magoada. Curiosamente, a recusa dela em partilhar seu passado com ele também o magoou.

- Sinto muito. - Ela corou de embaraço. - Você não veio aqui para me ouvir filosofar. Ou para conversar sobre artrite...

A mão de Mike envolveu a sua. Ele tentara não tocá-la, mas em vão. Era inacreditável. Anahí ficou a olhar como que hipnotizada para a mão tão masculina, tão quente...

Ele estava quente.
Ela ficou quente.

Ele emanava calor.
Ela se sentia inexplicavelmente segura.

Ela sentia que o vazio dentro de si se enchia de emoção.

- Partirei amanhã - ele informou, a voz baixa.


- Partir? - A palavra a trouxe de volta para a realidade.

- Vou para casa.

- Ah...- Por um momento ela esquecera que Michael não morava ali. Onde moraria então? - Onde fica sua casa?

- Houston.

- Nesse caso, somos praticamente vizinhos. - Por que doía tanto pensar nele distante?

- Sim, vizinhos - ele repetiu, distraído, concentrando a atenção nos lábios dela. Era agora o momento de beijá-la? Com o corpo a queimar em afirmativa, inclinou-se para frente.

- Talvez da próxima vez que vier à cidade para um jogo... - As palavras morreram quando ele lhe soltou a mão para puxá-la de encontro a si. Anahí prendeu a respiração.

- Talvez da próxima vez que eu vier à cidade para um jogo o quê? - ele quis saber.

- Talvez... Talvez...

Ele lhe roçou os lábios. De leve. Brevemente. Como uma chuva de primavera acaricia as pétalas de flores. Ela pendeu a cabeça para trás, cerrando os olhos.

- Talvez o quê, Anahí? - ele insistiu, roçando-lhe outra vez a boca.

Ela não correspondera a nenhum dos beijos. Deixara apenas que ele provasse o gosto e seus lábios entreabertos. Na terceira vez que suas bocas se encontraram, porém, Michael prolongou o beijo até obter uma reação.

Anahí não resistiu àquela carícia experiente. Ainda que timidamente, deixou-se embriagar pelo beijo. O contato provocava emoções fortes em ambos, e foi com relutância que o romperam. Mantiveram, contudo, as testas unidas, os olhos nos olhos.

- Assim é melhor - ele sussurrou. - Muito melhor.

Anahí havia se enganado. Os lábios dele eram mais macios e quentes do que tinha imaginado, além de capazes de lhe provocar sensações inusitadas. Afogueada e trêmula, sentia como se acabasse de despertar de um longo e profundo sono. Também estava receosa e excitada. E impacientemente ousada, pois bastava erguer um pouco a cabeça para unir suas bocas novamente.


Michael, por sua vez, mal cabia em si de contentamento diante da realidade de tê-la finalmente beijado. Se bem que se surpreendia por ansiar por mais, tanto que mal se continha de inclinar a cabeça e tomar-lhe os lábios de novo... E de novo... E de novo.

- Acredita em destino? - ele perguntou.

- Não entendo...

- Não precisa. Acreditarei por nós dois.

A inevitável repetição do beijo não pode mais ser adiada. Ele lhe segurou o rosto com ambas as mãos e tomou seus lábios com ternura e avidez. Ela correspondeu, aninhando-se mais ao peito dele, esquecida de que o mundo existia.

O beijo se intensificou.

E tornou-se mais profundo.

Cada vez mais ousado, até o controle de ambos oscilar...

Antes que isso acontecesse, Michael se afastou. E ambos ficaram simplesmente a se olhar. Nenhum dos dois parecia compreender a intensidade do momento.

-Mike ? - Ela ansiava por uma explicação.

- Psiu... Vamos apenas desfrutar o momento. - Segundos se passaram, olhos se desanuviaram, corações se acalmaram. Finalmente ele rompeu o silêncio: - Acho melhor eu ir. Antes que a neve me prenda aqui.

Apesar da confusão de seus sentimentos, Anahí sorriu. Ele sempre conseguia fazê-la sorrir.

- Cuide-se. - deixou-a depois de um rápido beijo.

Enquanto o seguia com o olhar, Anahí não sabia ao certo o que havia acontecido. Nem por que permitiria que acontecesse. Só sabia que não desejara rejeitá-lo ou aos próprios anseios. E que parecera desesperadamente importante descobrir como era ser beijada por Michael Jackson.

Por quê? Era uma pergunta que Anahí jamais se permitia fazer em relação à saúde. Por que tinha de ser ela a sofrer? Por que coisas ruins aconteciam a pessoas boas?


Eram questões sobre as quais não refletia, exceto, talvez, naqueles momentos desprotegidos da noite em que o desespero da dor a levava a ser igual às outras mulheres. Mesmo nesses momentos angustiantes, porém, não procurava respostas, ciente por intuição de que não havia nenhuma. Também intuitivamente sabia que procurar significaria perder força, capitular, tornar-se mais vulnerável.

Anahí também tinha certeza de que não encontraria resposta ao menos nenhuma que se dispusesse a encarar para as inúmeras perguntas que invadiram sua mente no decorrer da semana seguinte à partida de Michael.
O que ele pretendia ao indagar se ela acreditava em destino? Por que a tinha beijado? Por que a lembrança do beijo continuava tão vívida a ponto de ainda sentir os lábios queimarem? Por que a carícia a confundira, talvez até a amedrontando? Não buscou resposta, preferiu ignorar essas dúvidas, inclusive uma outra fundamental: por que ele não telefonava?


Exatamente uma semana depois de sua partida, em uma manhã fria porém ensolarada de fevereiro, Anahí viu a fotografia de Mike no jornal. Ele montava um cavalo preto, e a legenda dizia que se encontrava em sua fazenda nos arredores de Houston.

Ela não sabia que ele possuía terras... Mas também o que sabia sobre Michael Jackson? Que seus olhos esverdeados sempre traziam um ar maroto, que seu sorriso era encantador, que seus lábios beijavam deliciosamente...

Anahí fechou o jornal, tomou o último gole de café e se ergueu.
Apanhando a bengala, foi para o escritório.
Trabalhou até as três da tarde, bem mais do que o normal num sábado.
Tentava se convencer de que ficara tanto tempo devido ao volume de afazeres, mas no íntimo sabia que não queria ir para casa por causa das perguntas sem respostas e do telefone silencioso que a esperavam.

- Parece cansada - comentou Mayte naquela noite, enquanto a ajudava na hidromassagem.

- E estou. Trabalhei até as três.

- Não devia abusar. Você se esforça demais.


- Tinha uma série de coisas a fazer...

- Coisas que poderiam esperar. A propósito, como estão os preparativos para a semana das crianças?

- Está tudo encaminhando, mas ainda não recebi a confirmação por escrito do hotel-fazenda. Telefonei hoje para lá, e me garantiram que cuidavam dos arranjos, no entanto continuam a se esquivar de me mandar à carta declarando que sim.

- Tenho certeza de que tudo acabará bem. Esses fazendeiros provavelmente não são afeitos à papelada.

- Talvez.

Houve um silêncio momentâneo, rompido apenas pelo ruído da água a borbulhar.

- Adivinhe quem me telefonou ontem? - indagou Mayte.

- Quem?

- Christian Chavez.

- Christian Chavez? Não diga!

- Conversamos um pouco, e ele me convidou para jantar algum dia desses quando vier à cidade.

- O que você disse?

- O que acha? Que estou l-i-v-r-e. E que bastará uma cerimônia simples na igreja.

As duas caíram na risada.

- De onde ele é? - Anahí perguntou.

- De uma cidadezinha em Iowa. Disse que vai visitar Michael na semana que vem.

A simples menção daquele nome provocou um estremecimento em Anahí.

- Teve notícias dele? - Mayte não conteve a curiosidade. Naquela semana extraíra da amiga a revelação de que Michael havia passado por ali antes de partir da cidade. Não soube, porém, os detalhes.

- Não. Por que deveria?

- Não seria o fato mais estranho do mundo. Afinal de contas, vocês já tiveram um encontro...

- Não foi um encontro!

- Foi, sim. Além disso, ele veio se despedir. Por que não ligaria?

- Seja como for, não ligou. Nem ligará. Também não espero que ligue.

- E ponto final, certo?

- Certo. - Anahí deu um suspiro profundo, que refletia toda sua confusão. Às vezes queria que ele telefonasse; às vezes gostaria de nunca mais ter notícias dele; enfim não sabia o que queria.

- Ele pode não ter entrado em contato por uma série de motivos - argumentou Mayte, a título de consolo.

- Claro. Você vai a algum dos festejos do Mardi Gras? – perguntou, ansiosa por mudar de assunto.


- Alguns amigos meus vão ao desfile na terça. Gostaria de vir conosco?

- Não, obrigada. O Mardi Gras é divertido, mas acho melhor esperar pelo ano que vem, depois de ter feito a segunda operação.

- Por falar nisso, como está seu quadril?

- Dolorido a maior parte do tempo.

- Você não devia adiar a cirurgia.

- Já sei - Anahí concordou, afundando na banheira.

Mayte sacudiu a cabeça em desaprovação. Depois voltou ao primeiro assunto.

- Realmente, Michael pode não ter telefonado por uma dúzia de motivos.

Anahí não fez nenhum comentário, embora mais tarde, depois que a amiga havia saído e ela se preparava para praticar os exercícios de fisioterapia, pensasse a respeito.
Sim, poderia haver inúmeras razões para ele não ter ligado. Como, por exemplo, estar ocupado demais, não querer, preferir telefonar a outra mulher, o beijo não lhe ter significado nada...

Qualquer que fosse a razão, resumia-se ao mesmo fato inegável: ele não telefonara. E Anahí não sabia exatamente o que pensar a respeito.

A centenas de quilômetros de distância, Michael estava deitado na cama, as mãos sob a cabeça e o olhar fixo no telefone.
Não passara uma hora, um minuto, um segundo sequer da última semana em que não tivesse desejado ligar para Anahí, mas jurara para si mesmo que não o faria. E era uma promessa que pretendia cumprir, porque os dois precisavam de tempo para pensar.

Ele percebera o choque de Anahí ao ser beijada. Ela se assustara, se abalara com a força desencadeada pelo simples contato de suas peles.
E havia dúvidas em seus olhos, além da súplica para que explicasse o que acabara de acontecer entre os dois. Michael não pode dar nenhuma explicação por um motivo apenas: estava igualmente confuso.

Se bem que alguma coisa ele compreendia. Como o fato de sentir algo especial por aquela mulher.
Entretanto, forçava-se a fazer o papel de advogado do diabo.
Possuía o que lhe custaria para ligar a vida à dela? Honestamente, humanamente, desejava assumir os problemas dela?


Suspirou aflito e se levantou de um salto. Tirou a camisa e a calça para estender-se sobre o carpete e começar uma série exaustiva de flexões. Um... Dois... Três, os braços fortes e musculosos se flexionavam num ritmo regular. "O que ela estaria fazendo naquele momento -a mente traiçoeira indagava -, pensando em mim?"

Naquele exato instante, Anahí formava a letra "O" com o polegar e o indicador, sentada à beira da cama. O exercício era simples, como todos aqueles destinados a artríticos. Enquanto repetia o procedimento com os outros dedos, uma pergunta martelava sua cabeça: o que ele estaria fazendo?



Michael se estirou no chão após completar cem flexões. Apesar de suado, estava longe de cansado. Esse era seu problema. A mente ainda abrigava pensamentos demais sobre Anahí Giovanna Puente.
Ela estaria com dor? Teria tomado outro analgésico e ficado grogue?
Exasperado, ele se apoiou novamente nas palmas das mãos. Um... Dois... Três, começou outra série de flexões.

Anahí levou o queixo ao peito, então lentamente ergueu cabeça e a pendeu para trás. Enquanto isso, pensava que Michael possuía profundidade, complexidade, sensibilidade. Ele conhecia o seu medo. Assim como ela sabia que ele temia a velhice.

Ela tem medo, Michael pensava, já sentindo os músculos arderem de cansaço. Mas era tão corajosa. Jamais se queixava. Deus como a admirava! E como gostaria de abraçá-la!


Anahí ficara feliz com o toque da mão dele. O contato lhe transmitira segurança. Não podia se tornar dependente de quem quer que fosse. Entretanto, não havia como negar que gostara do toque da mão dele.


Como queria abraçá-la! As flexões chegavam à exaustiva marca dos duzentos. A respiração de Michael estava ofegante àquela a altura, mas a mente continuava lúcida. Lúcida demais. Ainda podia se lembrar muito bem do... Beijo.

Anahí interrompeu seu exercício. Nunca fora beijada como por Michael. Gentil, porém avidamente; com ternura, porém... sem concessões. Tinha gostado disso. Ele a beijara como se fosse uma mulher, e não uma peça frágil de porcelana. Que era como Ross agia.

Duzentos! Michael se estendeu no carpete, de costas, o peito a arfar e os braços doloridos. Fechou os olhos, contudo não conseguiu apagar da memória os lábios macios e doces... Lábios macios e doces.

Anahí tentou afastar a lembrança da boca de Michael, mas em vão. Ela se surpreendeu com as sensações que experimentava só de pensar no beijo. Fazia tanto tempo que não tinha aquelas reações. A dor que se manifestava em seu corpo desta vez era sensual.


Michael suspirou e, em desespero, mais uma vez se preparou para outra série de flexões, agora batendo palmas entre uma e outra. Agüentou até a contagem de trinta e sete, quando foi ao chão. Com o corpo molhado de suor e dolorido, esperou a respiração atenuar antes de se pôr de pé. Cambaleou até o chuveiro e abriu a torneira ao máximo, deixando os jatos frios castigarem a pele quente.

Conseguiria suportar, caso entrelaçasse a vida à de Anahí? Bem, a questão era irrelevante àquela altura, pois já estava apaixonado por ela.

Anahí continuava sentada à beira da cama, a se exercitar. Também procurava afastar um pânico súbito. Sem entender bem por quê, sentia-se ameaçada Michael Jackson, com sua inegável sensualidade, a ameaçava. Ele lhe dava a sensação de estar perdendo o controle



Capitulo 6





"neste mundo que você criou e aonde eu aprendi a ser feliz
quero dizer: você e a luz que me acorda cada manhã
e muito mais do que um dia eu pensei em ter
você e tudo e muito mais.


Eres-Anahi''


Uma semana e seis dias após a partida de Michael de Nova Orleans, casais apaixonados comemoravam o Dia dos Namorados.
Para Anahí, tratava-se apenas de um dia como outro qualquer... Até receber um pacote no escritório. Vinha da maior magazine da cidade, embrulhado com papel dourado e enfeitado com fita vermelha.
Sob o olhar curioso da secretária, ela abriu primeiro o cartão que dizia apenas: Michael.
Então rasgou o embrulho onde uma caixa revestida de cetim abrigava dois frascos delicadamente entalhados de cristal. Um deles continha um perfume caro e famoso, enquanto o outro, a mesma fragrância em óleo de banho.

Susan não conteve uma exclamação de inveja.

Anahí, porém, não ouviu nada. Exceto a manifestação súbita de uma voz do passado: "Um homem quer sua mulher cheirando a perfume, não a linimento... Não a linimento... Não a linimento..."

Engolindo o nó da garganta, ela procurou ser justa. As intenções de Michael haviam sido boas. E, apesar de se sentir ameaçada, tinha desejado receber notícias dele. Só não se conscientizara do quanto até aquele momento.
De repente quis rir e chorar ao mesmo tempo. Era engraçado como a vida podia ser irônica. Lamentavelmente irônica.

Ele havia entrado em contato com ela, entretanto, apenas para lembrá-la de um fato que ela preferia esquecer. Michael não tinha noção de suas limitações, nenhuma idéia da disparidade existente entre suas vidas.

Anahí abriu a tampa dourada do frasco de óleo para banho e sentiu sua doce fragrância. De acordo com o cartão amarrado ao vidro por um fio dourado, era uma mistura dos perfumes de mel, íris e pêssego.
Para ela, porém, exalava somente o cheiro da ironia. Um sorriso triste se esboçou em seus lábios enquanto a visão se turvava.

Fazia anos que não podia mais entrar numa banheira.



E como explicar isso e centenas de outros atos insignificantes mas essenciais, que ela não podia praticar, para um homem que podia?

Ela trabalhava demais.

Todos lhe diziam isso, principalmente Mayte e o dr. Stratton. Embora não fosse necessário. Anahí sentia isso. A dor no quadril piorava, assim como no restante do corpo, enquanto a sensação da fadiga típica da doença começava a se manifestar. Faltava-lhe apetite também.

Entretanto, recusava-se a ceder. Em parte devido ao senso de responsabilidade. Precisava continuar com os planos do hotel-fazenda - ainda aguardava a carta de confirmação. Havia, contudo, outra razão para o zelo excessivo com o trabalho. Tentava enterrar todo e qualquer pensamento sobre Michael Jackson.

Quase obtivera êxito nessa intenção. Na semana subseqüente à chegada do presente, outras preocupações haviam assumido precedência em sua mente. Esses momentos, porém, foram poucos e espaçados.



**

Na noite de sexta, o esgotamento físico e emocional da semana cobrava seu preço. Chegando em casa as seis, vestiu uma roupa mais confortável, esquentou uma sopa enlatada e esperou a amiga com dois analgésicos à mão. May prometera passar lá as sete a ajudá-la a entrar na hidromassagem.


Quando a campainha tocou alguns minutos antes da sete, Anahí suspirou de alívio e logo se pôs a imaginar a massagem relaxante da água morna e borbulhante.

- Já vou - gritou, enquanto a cadeira lentamente a colocava de pé. Dependendo mais do que nunca da bengala, custou a alcançar a porta. - Chegou bem na ho...

As palavras lhe faltaram diante da visão inesperada de Michael Jackson em sua varanda. Seu coração disparou, uma felicidade indescritível a tomou de assalto.

Michael também não ficou indiferente. Sob a aparência tranqüila, seu coração batia com igual inquietação, enquanto ele lutava contra o impulso de puxá-la para os braços.

Subitamente o telefone tocou.

Anahí continuou imóvel. De fato, sequer parecia ouvir o som estridente e repetitivo.

- O telefone está tocando - disse Michael.

- O telefone está tocando - ela repetiu, como se não tivesse escutado.

- É, você tem razão - ele concordou com um sorriso. - O telefone está tocando.

- Eu... Eu vou atendê-lo.



Anahí foi o mais rápido que pôde até a cozinha, onde se encontrava o aparelho.
- Alô? - atendeu ofegante, tanto pelo esforço físico quanto pela emoção de constatar que Michael a tinha seguido.

Era Mayte se desculpando porque ia se atrasar devido a uma reunião de última hora dos funcionários do hospital. No fundo, Anahí agradeceu pelo contratempo, pois não saberia como explicar à amiga a presença de um homem em sua cozinha.

- É claro, eu entendo. Não, não. Vamos esquecer a hidromassagem por hoje. Não vai ser por causa disso que vou morrer. – Ela se sentou num banco, reprimindo uma careta de dor. - Um pouco - respondeu à pergunta sobre a dor, - mas faço questão de abrir mão do tratamento hoje. Está bem. Até amanhã então.

Ao desligar o telefone, o olhar de Anahí automaticamente recaiu sobre sua visita. Como ele não dissesse nada, viu-se obrigada a romper o silêncio:

- Era May. Tínhamos combinado que ela passaria aqui, mas ficou presa no hospital por causa de uma reunião...

- Ela ajuda você com a hidromassagem?

- Sim, porque não consigo entrar na banheira sozinha.

- A dor piorou?

- Estou bem, não se preocupe.

- Não foi o que perguntei.

- Um pouco, talvez. Mas isso já era de se esperar. Além do mais, tive uma semana cansativa.

- Vamos então.

- Para onde?

- Para a banheira.

- O quê?

- Não era para onde você queria ir?

- Não! Isto é, sim... Mas não é necessário.

- O quadril está doendo?

- Sim, mas...

- Então vamos. - Sem esperar resposta, Michael a levantou nos braços.



Toda a resistência de Anahí evaporou-se nesse instante. Ele parecia tão resistente, tão seguro...

- Vai me dizer onde fica a banheira ou terei de vasculhar a casa? - Uma expressão marota brincava nos olhou dele.

Ela forneceu as indicações para o jardim de inverno. Enquanto ele a carregava para lá, Anahí teve a sensação mágica de que flutuava num sonho. Um sonho bonito, mas não obstante um sonho.

- Tire os sapatos - ele disse ao encontrar o local; enquanto isso, também se descalçava com os calcanhares. - Seu relógio é a prova d`água?

- Como?

- Tire o relógio. - Depois que ela lhe entregou o objeto pedido, Michael apertou um botão, fazendo com que a água começasse a se revolver.

Quando Anahí percebeu que ele pretendia entrar na banheira do jeito que estavam, gritou:

- Você não pode fazer isso! Não, Michael!

Era tarde demais. Sentiu a água morna nos pés descalços e então, gradativamente, no resto do corpo até o pescoço. Ele também estava todo molhado.



Diante da constatação de que ambos estavam dentro da banheira de hidromassagem, com água até o pescoço e inteiramente vestidos, ela irrompeu numa gargalhada.

- Você é louco, Michael Jackson!

- E daí? Você está tão molhada quanto eu!



Ela continuou a rir. Há dias não se sentia tão bem. Aliás, há semanas, mais precisamente três semanas. De fato, não se sentia tão bem desde a última vez que estivera com... A consciência de que ia completar a frase com o nome de Michael apagou seu sorriso.

Diante da beleza do rosto sorridente de Anahí, da atração sensual dos seus lábios, o riso de Michael também havia morrido. Ela suspirou, e ele engoliu em seco. Ambos se olharam pelo que pareceu uma eternidade.



Anahí percebeu o instante em que ele decidiu beijá-la.
Foi na mesma fração de segundos em que ela concluiu que morreria se Michael não fizesse isso. Segurando-a nos braços, ele selou seus lábios, a princípio com ternura e pouco a pouco com crescente avidez.

- Senti tanto sua falta! - ele sussurrou. - Tanto!

- Também senti a sua - ela confessou, tão perdida em emoção que só podia falar a verdade.

Quando suas bocas se uniram outra vez, o corpo de Anahí ardia ao fogo do desejo. Ela se abraçou mais a Mike, maravilhada com a constatação de que a sensualidade há anos reprimida ganhava vida instantaneamente ao mínimo toque daquele homem. Uma onda de calor a invadia. Necessitava, desejava o prazer que ele podia lhe dar.



De repente, a necessidade, o desejo, era tão forte, tão consumidor que a assustou. Perdia o controle. Sentia o mesmo medo, a mesma vulnerabilidade de quando soubera que sofreria de artrite. Ao mesmo tempo, uma voz interior advertia que ela não tinha o direito de buscar a satisfação com aquele homem, quando não podia retribuí-la.

- Não! - protestou, rompendo o contato. - Não, por favor...

Perdido na paixão do beijo, Mike estava atordoado demais para impedir que ela se desvencilhasse de seus braços.

- O que foi?

Sem responder, ela se refugiou na borda oposta da banheira e tentou se levantar. Sentiu dores no quadril, mas reprimiu o gemido e insistiu. Desta vez a pontada foi mais cruel.



- Ai! - exclamou de dor, odiando-se por isso.

Desesperada, pois a incapacidade de sair da água só aumentava a sensação de perda do controle, segurou com firmeza a borda da banheira. Cerrando os dentes, impulsionou o corpo para cima até as mãos molhadas deslizarem, fazendo-a cair para trás.

- Anahí, o que houve? - Mike a amparou.

- Quero sair! - gritou, lutando para se afastar dele.

- Espere um minuto. - Com uma agilidade impressionante, ele se pôs de pé e a tirou da banheira. A água que escorria de suas roupas encharcadas logo formou poças no piso. - Poderia me contar o que aconteceu?

- Não quero um homem em minha vida! - Após o desabafo, ela se pôs a andar sem a ajuda da bengala. Por conseqüência, mal deu dois passos e tropeçou. Mike a amparou de novo, gentil, porém firmemente, a virou para si. Seus olhares se cruzaram, francamente belicosos.

- Que diabos isso significa?

- Apenas o que eu disse. Não quero um homem em minha vida. Ou talvez fosse mais adequado afirmar que nenhum homem me quer na sua. Não sou estúpida, sei que não atraio ninguém!



Ela não pretendia dizer nada daquilo. As palavras simplesmente saíram, o resultado de anos de mágoa. Sequer tinha certeza de acreditar na última parte. Michael a havia beijado como se realmente a desejasse. Entretanto, como alguém poderia querê-la? Parecia que a cabeça argumentava uma coisa e o coração, outra.

Num momento raro em sua vida, Michael ficou sem fala. Embora por não mais que um momento. Com ousadia, segurou a mão dela e a pressionou intimamente contra seu sexo. Sob as calças molhadas, estava a evidência de seu desejo.

Anahí fechou os olhos, a respiração suspensa.

- Encare-me - a voz dele revelava um misto de paixão e raiva -, e diga-me que não a quero.

Ela sentia a mão queimar. O coração pulsar. A cabeça girar. A sensação de perda do controle. Não podia negar o desejo daquele homem.

- Eu... Eu não quero um homem em minha vida - repetiu, incapaz de pensar em outro argumento.

- Lamento muito, minha querida. Pois, queira ou não, tem um homem em sua vida!

Antes que Anahí pudesse expressar uma palavra que fosse, Michael a puxou para os braços e a beijou com ardor



Capitulo 7



"Você diz que vou me sentir melhor com o passar do tempo
Você me diz que eu vou me recompor
Vou me recompor, que vou ficar bem
Me diga, o que você sabe? o que você sabe?
Me diz como é que você pode saber? Como pode saber?


Até que aconteça com você
Você não sabe como é, como é
Até que aconteça com você, você não saberá, não será real
Não será real, não vai saber como é


Lady Gaga - Til It Happens to you"




Anahí lutou - contra Michael e contra si mesma. Tentou livrar a boca aprisionada, mas ele entrelaçou os dedos por seus cabelos e lhe imobilizou a cabeça. Mesmo assim, procurou desvencilhar-se, empurrando-o pelo peito. Também em vão. Michael permaneceu firme.

Enquanto isso, o beijo se intensificava.

O desejo voltou a brotar dentro dela. Anahí insistiu na luta, desta vez mais em desafio aos próprios sentimentos do que às ações dele. Não queria aquele ou qualquer outro homem em sua vida.

Michael continuou indiferente. E o desejo, alimentado pela sensualidade das carícias dele, aos poucos floresceu, mais ardente do que nunca.

A resistência de Anahí já não se revestia da mesma determinação de instantes antes. Ao contrário, ela logo cedeu à persistência e à perícia daquele homem, transformando murmúrios de protesto em manifestação de prazer, enquanto as mãos que o empurravam passavam a lhe massagear o peito. O combate terminava com sua capitulação - ela o abraçou pelo pescoço e correspondeu ao beijo.

- Assim está bem, querida, venha para mim - ele sussurrou e, como que em recompensa, soltou-lhe os cabelos e deslizou as mãos provocativamente pelas suas costas.

Os corpos molhados se amoldavam um ao outro. Anahí suspirou, revelando confusão e prazer. Michael cobriu de beijos seu rosto e pescoço, antes de apertá-la ainda mais nos braços.

- Fui rude demais? - perguntou-lhe ao ouvido, arrepiando-a com o hálito quente. - Machuquei você?

Ela sacudiu a cabeça em negativa.

- Ficar de pé não a cansa?

- Só um pouco - ela mentiu, porém não o convenceu.

- Vamos. - Michael a carregou no colo outra vez. E, diante do rosto querido tão próximo ao seu, não resistiu à tentação de beijá-la novamente. - Nunca mais diga que não é desejável. - como não obtivesse resposta, insistiu: - Entendeu? - Ela permaneceu calada, obrigando-o a segurar seu queixo para que o encarasse.

Anahí assentiu com um gesto de cabeça. Sorridente, Michael aninhou-a contra o peito.


Desejável... Anahí repetiu a palavra mentalmente.
Michael Jackson a considerava desejável!
A constatação era tão inebriante quanto um bom vinho. Ela não havia imaginado que ele a queria. Mas tivera a prova do desejo dele. Também sentira algo mais: que partilhavam mais do que o contato físico, algo emocionalmente particular. Fora natural, e nem um pouco embaraçoso, tocá-lo com tanta intimidade.

Se bem que tocá-lo também a tivesse assustado. Assim como beijá-lo.
As duas coisas desencadeavam sensações desconhecidas, fortes. Sentimentos de descontrole, de inadequação.
Era capaz de dar prazer a um homem? De agradá-lo sexualmente? Antes não fora. Suspirou confusa, com o medo a invadir sua mente como sombras à espreita numa noite hostil. Não conseguia defini-las, contudo sabia que de algum modo Michael Jackson a ameaçava.

E agradava.

E fazia sorrir.

E sensibilizava de mil outras maneiras indescritíveis.

Ao ouvi-la suspirar, Michael a envolveu mais nos braços, movido pelo impulso irreprimível de protegê-la. Alguém a havia magoado no passado.


Se antes suspeitava da existência de tal homem, agora tinha certeza. Queria pedir a ela que lhe contasse tudo. Entretanto, algo em seu íntimo, algo no coração que se enchia de amor por aquela mulher exigia que Anahí o fizesse por iniciativa própria, Muito embora pudesse investigá-la um pouco.

- Gostaria de falar a respeito do que acabou de acontecer?

Ela hesitou.

- Não. Isto é, não sei o que dizer. Não sei o que aconteceu. Nem o que estou sentindo. Eu... Eu só sei que me assustou.

- Assustei?

- Você me faz sentir... Você me faz sentir que vou perder o controle.

A apreensão desapareceu do rosto de Mike, dando lugar a um sorriso travesso.

- Era essa a minha intenção, boba. É assim que você me faz sentir também. E gosto da sensação.

- Pois eu não.

Mike analisou palavra por palavra aquele diálogo. Não era psicólogo, claro, porém, não precisava de treinamento na arte de interpretar o comportamento humano para compreender o que Anahí sentia. Pelo menos em linhas gerais.
Ela já havia mencionado a sensação de perda de autodomínio ao saber da doença. Essa perda tinha óbvia e naturalmente feito com que se preocupasse em regras rígidas sobre seu próprio comportamento. E, considerando o fato de que algum homem abusara de sua confiança, era normal que se apegasse demais ao controle. O que sentia agora por ele ameaçava isso. Constituía um bom sinal, Mike ponderou, um sinal que talvez, apenas talvez, Anahí começava a gostar dele.


- O truque, Anahí, minha querida, é encontrar a pessoa com quem seja seguro perder o controle.

Algo nos olhos esverdiados, uma nuance entre paixão e promessa, provocou uma onda de calor da cabeça até a ponta dos pés de Anahí.
Talvez por causa da palavra "querida", expressa como numa canção de amor. Fosse qual fosse o motivo, ela se arrepiou.

- Está com frio?

- Sim - ela respondeu, embora na verdade sentisse frio e calor ao mesmo tempo, misturados a outros extremos físicos e emocionais.

- Não é de admirar. - Ele voltou a sorrir. - Está toda molhada.

- Molhada? - ela fingiu um tom de descrença.

- Sim, o que andou fazendo? Mergulhando na fonte Trevi?

- Sem avisar, Michael voltou com ela para dentro da banheira.

- Bem-vinda a Roma.

Desta vez permaneceram ali por dez relaxantes minutos. A tensão anterior, tanto a positiva da paixão quanto a negativa do desacordo, lentamente abriu caminho para a conversa. Anahí falou sobre seu trabalho; estava excitada com os planos para a semana no hotel-fazenda e já tinha uma lista de aproximadamente cinqüenta crianças inscritas.
Michael, por sua vez, contou o quanto havia gostado de voltar para casa. Ela falou também que May estava cuidando de Jason; e ele, que Christian tinha passado a semana anterior em sua casa e vindo junto para Nova Orleans com a intenção de ver Mayte.



- Eu soube que ele andou telefonando para ela - Anahí comentou.

- Poderíamos sair todos juntos na sexta à noite.

Quando Anahí caiu em si já havia concordado com a sugestão. Essa facilidade a surpreendeu.

- Colocarei suas roupas na secadora - ela disse, minutos depois, ao saírem da banheira.

- É a melhor oferta que tive o dia todo. - Ele pegou uma toalha e então tirou a camisa.

Anahí calçava os chinelos e, quando ergueu o olhar, deparou com o peito dele nu. Como que hipnotizada, viu Michael deixar a camisa ensopada na borda da banheira e voltar a enxugar o tronco com a toalha. Tentou desviar o olhar, mas foi em vão. Não queria reparar nos pêlos que cobriam o peito musculoso, entretanto, não só reparou, como ficou afetada pela visão. E parecia não haver nada que pudesse fazer a respeito!

Exceto engolir em seco.

Mike levantou a cabeça e a flagrou a observá-lo.

- Eu... Eu vou trocar de roupa - ela gaguejou.



- Aproveite e me traga um lençol, está bem? - Diante do ar interrogativo dela, explicou: - A menos que queira que eu apanhe um resfriado andando por aí ao natural.

- Ah, certo... - ela balbuciou.

Anahí vestiu um roupão, deixou um lençol à porta do jardim de inverno e levou as peças molhadas para a secadora. Em questão de minutos, Michael se juntou a ela na área de serviço anexa à cozinha.
Estava envolto, da cintura para baixo, numa roupa de cama cor-de-rosa que não diminuía em absoluto o seu charme masculino.

- Tem certeza de que não lhe dará trabalho? - ele perguntou ao lhe entregar as roupas.

- Claro - ela respondeu, sem encará-lo. Só depois de regular a máquina, olhou para ele. - Gostaria de tomar um café enquanto as roupas secam?

- Aceito. Aliás, por que não me deixa prepará-lo?

- Nada disso. Sei onde encontrar tudo.

Sentado à mesa da cozinha, ele observou cada movimento de Anahí. Durante o tempo que ela levou para preparar o café, Michael ganhou uma nova visão sobre o significado de ser artrítico. Sua admiração por aquela mulher aumentou dez vezes. Anahí contou que comprava os utensílios domésticos conforme sua facilidade de manuseio, leveza e resistência. Os mais usados eram guardados na primeira prateleira do armário, enquanto uma espécie de pinça grande servia para apanhar os objetos de difícil alcance. Ela mantinha ali um banco alto em que se acomodar enquanto preparava o que quer que fosse, para não se cansar.



Em certo momento, Anahí se questionou se não falava demais. Talvez Mike não estivesse interessado em por que os vasilhames eram de alumínio, embora não parasse de fazer perguntas. Por outro lado, porém, falar a ajudava a esquecer que Michael Jackson estava em sua cozinha praticamente nu.

A cafeteira elétrica terminava de coar o café e o relógio de parede marcava quase nove e meia, quando a campainha da secadora avisou que as roupas estavam secas. Anahí fez menção de descer do banco.

- Fique sentada - disse Mike. - Deixe que eu pego as roupas. - Instantes depois, ele passava pela cozinha a caminho do quarto.

- Mike, obrigada pelo perfume e o óleo de banho. - Até então ela hesitara em agradecer devido aos sentimentos contraditórios que o presente havia gerado.

- Não tem por que agradecer, sua bobinha.

O quarto e o banheiro de Anahí correspondiam às expectativas de Michael. Eram bem femininos. Por toda parte havia concessões à sua deficiência. Dois colchões na cama e calços de madeira sob os pés de uma poltrona deixavam esses móveis mais altos que o normal.
Outro par de pinças se encontrava à mão, sobre uma das mesinhas-de-cabeceira.



Após se vestir, ele foi até o banheiro e parou diante do espelho.
Na falta de pente, passou os dedos pelos cabelos. Então percorreu o olhar pelo ambiente, reparando no vaso sanitário também mais alto e nas barras estrategicamente colocadas ao lado da banheira... Um banco de pernas compridas atrás da cortina rosa chamou sua atenção. Sobre o móvel, repousava um chuveiro de mão.

Mike assumiu um ar grave ao notar o frasco de óleo de banho em meio aos de xampu e creme. Então relanceou o olhar para a banheira, obviamente fora de uso, e compreendeu tudo.

- Por que não me contou? - perguntava instantes depois, de volta à cozinha.

- Sobre o quê?

- Sobre a inutilidade do óleo de banho.

A preocupação estampada nos olhos pretos sempre tão alegres magoou o coração de Anahí. Aliás, até aquele momento ela não se achava capaz de sofrer tanto por outra pessoa. Com uma pontada de remorso, percebeu que, ao receber o presente, havia pensado somente em si mesma. Nem de longe imaginara o que Mike sentiria, se tomasse consciência de seu deslize.


- Bem, talvez eu possa passar o óleo pelo corpo antes de entrar no chuveiro.

- Sim, e correr o risco de deslizar do banco e cair. - Mudando o tom e voz ele acrescentou: - Anahí, queira me desculpar. Não sou um insensível. Só não aprendi ainda todas as regras. Poderia me dar algum tempo para isso? - E acariciou-lhe o rosto.

Ele pedia mais do que tempo, no entender de Anahí - pedia para fazer parte de sua vida, para que ela esquecesse o que dissera antes quanto a não querer um homem ao seu lado.

- Está bem? - ele insistiu, roçando os lábios nos seus.

Quando ela assentiu, Michael não resistiu à tentação e lhe deu um beijo demorado, caloroso, apaixonado. No entanto, mais tarde, a caminho do hotel, deu-se conta de que ela evitara qualquer resposta direta à sua pergunta, limitando-se apenas a um gesto. Anahí se conscientizou da mesma coisa, já na cama. E naquela noite sonhou que corria por trás de um muro alto que, de repente, se desmoronava. Do outro lado surgia uma figura sombria, montada num cavalo negro enorme. O homem sussurrava-lhe algo sobre lhe dar tempo, amedrontando-a e intrigando-a. Mas, ao acordar no meio do sonho, ela sentiu apenas solidão.



Os dois casais saíram juntos. Disposta a se divertir, Anahí decidiu esquecer pelo menos por uma noite as sensações confusas, contraditórias que a tinham perseguido a semana toda, e que não conseguia explicar. Principalmente a si mesma. Sabia apenas que abrigava uma batalha interna entre a ameaça que Michael Jackson representava e a necessidade crescente dele. Ou, em outras palavras, a luta interna entre querê-lo e não querê-lo.

- Eles vão estranhar nossa demora - murmurou ela, entre um beijo e outro de Mike. May e Christian esperavam no carro.

- Eles devem estar fazendo a mesma coisa que nós - argumentou ele, insistindo em outro beijo.

Anahí cedeu de bom grado. A troca de beijos entre os dois tornara-se algo natural, embora fosse ainda o limite máximo de carícias que se permitiam.

- Agora vamos - propôs Mike depois de algum tempo. Enquanto a ajudava a vestir o casaco, acrescentou: - É melhor levar um guarda -chuva. Parece que vai chover.

- Vai, sim.

- Não me diga que prevê o tempo nas horas vagas!

- Bem que eu poderia. Quando está prestes à chover, quase sempre sinto dores pelo corpo, causada por alterações na pressão do ar.



Capitulo 8


''Sentir sua falta é minha necessidade, vivo sem esperança
Desde que você não voltara mais
Sobrevivo por pura ansiedade
com um nó na garganta e é que não deixo de pensar em ti
Pouco a pouco o coração vai perdendo a fé, perdendo a voz



Salva-me do esquecimento, salva-me da solidão
Salva-me do tedio, que estou a sua disposição
Salva-me do esquecimento, salva-me da escuridão
Salva-me do tedio, não me deixe cair jamais


Me proponho tanto a continuar, mas o amor é a
Palavra que me custa às vezes esquecer
Sobrevivo por pura ansiedade
com um nó na garganta e é que não deixo de pensar em ti
Pouco a pouco o coração vai perdendo a fé, perdendo a voz

salvame-RBD''



Com as mãos em seus ombros, ele a olhou dentro dos olhos, o semblante marcado pela preocupação.

- Se não quiser ir...

- É claro que quero. Não me sentirei melhor ficando aqui.

A noite estava fria e o ar tão úmido como se carregasse o orvalho da manhã. As estrelas tinham desaparecido do céu.



- O que é isso? - Anahí indagou ao deparar com a caminhonete de quatro portas estacionada à frente de sua casa.

- É o meu carro novo.

- Onde está o Porsche?

- Em casa. Eu precisava de outro carro. Com bancos altos.


Anahí sentiu um nó na garganta. Ninguém jamais fora tão atencioso com ela. Entretanto, junto com a emoção, experimentou também um sentimento de culpa.



- Você... Você não devia mudar seu estilo de vida por minha causa.

- Deixe que eu me preocupe com meu estilo de vida, está bem?


Nos minutos que se seguiram ninguém se preocupou com nada. Christian contava uma piada após outra, criando dentro do carro um ambiente agradável em contraste com a chuva que começava a cair lá fora.
Foi nesse clima festivo que se ouviu um resmungo da parte de Mike, atraindo a atenção de todos.

- O que houve? - Anahí perguntou, intrigada.

- Aconteceu de novo - disse ele, apontando para frente.


Através do arco formado pelos limpadores do pára-brisa, Anahí percebeu o que motivara a imprecação. O restaurante que Mike escolhera ficava num terraço com uma vista magnífica da cidade. O único problema era o lance de escadas que se tinha de subir para chegar lá. Mais do que o esforço que isso lhe custaria, o que a magoou foi a expressão frustrada de Mike.


- Não faz mal. Só levarei algum tempo para subir. Ninguém está com pressa aqui, certo?


Sem nada responder, Mike parou a caminhonete junto ao meio-fio.


- Ponha o carro no estacionamento - recomendou ao amigo, enquanto pegava o guarda-chuva.


Antes que Anahí pudesse sequer pensar em rejeitar o plano, já estava nos braços dele. Com passadas rápidas e seguras ele subiu a escadaria.

Ela voltou a experimentar os sentimentos contraditórios que haviam predominado a semana toda em seu coração. Por um lado adorava estar nos braços dele, gostava que ele a mimasse, ao mesmo tempo em que se dava conta do perigo que isso representava à sua própria independência.


- Eu teria subido sozinha - ela argumentou, encabulada.

- Por que se cansar à toa se eu estou aqui?


Esse era o problema, ela pensou. Por quanto tempo ele estaria ao seu lado?
Apesar do jantar excelente, da companhia agradável dos amigos, Anahí não conseguia se livrar da impressão de que rumava para um desastre.


- Você está bem? - Mike estendeu o braço para afagar as mãos que ela mantinha no colo.


Ela assentiu com um gesto de cabeça e entrelaçou os dedos aos dele.


- Como se sente?

- Estou bem.

- Você está linda, isso sim.



Seu olhar de admiração despertou nela o desejo de ser tocada. Como seria sentir aquelas mãos quentes sobre a pele? Aqueles lábios quentes percorrendo seu corpo? Aturdida com esses pensamentos, ela deu graças a Deus pela chegada do garçom com a sobremesa.


Só mais tarde, quando tomava o café, Mayte fez um anúncio importante:


- Hoje aconteceu uma coisa que me deixou entusiasmada. Preenchi o pedido de adoção de Jason. - Seus olhos negros procuraram os de Anahí, à espera da reação da amiga.


Mal acabou de ouvir a novidade, Anahí deu-lhe um abraço caloroso, muito mais expressivo do que qualquer palavra.


- Tomei a atitude certa, não acha? - indagou May, sorridente.

- Claro! Foi a melhor notícia do dia.

- Você aceitará ser "tia", Any?

- Só se eu puder mimá-lo bastante.

- Pensarei no caso.


Christian também abraçou Mayte enquanto Mike foi mais ousado: inclinou-se sobre a mesa e deu-lhe um beijo no rosto. Em seguida pediu champanhe para comemorarem.


-Calma, pessoal - argumentou May -, só preenchi a ficha de adoção. Podem não aprová-la.

-É claro que aprovarão - os três asseguraram em uníssono.

-O champanhe pode ser prematuro - ela insistiu.

- Não será - garantiu Mike. - Mas, por via das dúvidas, brindaremos apenas ao preenchimento do pedido. Abriremos outra garrafa mais tarde, quando a adoção se confirmar.



Anahí ria e brindava com a bebida borbulhante, porém, no íntimo sentia uma pontada de... De quê? Não tinha certeza. Só sabia que May não viveria mais sozinha, enquanto ela sim. Apesar de tudo, procurou não dar mostras de tristezas, para não pôr em risco a alegria de todos.

Discutiram acaloradamente o futuro de Jason. De acordo com os "tios" Anahí, Christian e Mike, o menino estudaria respectivamente medicina, direito ou computação. Quanto à "mãe", não interessava o que estudasse, contanto que fosse presidente dos Estados Unidos.


- Que tal se ele for físico nuclear? - Anahí disse à certa altura.

- Pensando bem - respondeu Christian -, não é má idéia. Aliás, mudando de assunto, eu ia sugerir que fôssemos dançar. Creio que estão prestes a nos expulsar daqui... - Ele se interrompeu ao perceber o que estava sugerindo. Olhou para Anahí. - Isto é, acho que a comemoração deve continuar e... Falei algo que não devia?

- Claro que não. - Anahí sorriu, embora, no fundo sentisse um pouco de mágoa. Isso sempre ocorria quando, por força de sua doença, via-se como um empecilho ao programa dos amigos.

- Também acho que dançar é uma boa idéia - comentou Mike. - Para vocês dois. De minha parte, estou cansado e creio que essa chuva não fará bem a Anahí. Que tal se deixarmos vocês na casa de May para que possam sair com o carro dela?



Todos concordaram. Anahí manteve o sorriso, apesar de se sentir não apenas diferente, mas também culpada. Estragava a noite de Mike. A consciência disso levou-a a se retrair.
No entanto, a noite ainda lhe reservava outra contrariedade. Quando o grupo saía, uma jovem, bonita e morena, aproximou-se de Mike.

- Oi - ela o cumprimentou, ignorando os outros. - Você é Michael Jackson, não?

- Exatamente. - Ele sorriu, como sempre fazia com as fãs.

- Poderia me dar um autógrafo? - A moça lhe estendeu papel e caneta.

- Claro. - Michael olhou de relance para Anahí, como se pedisse desculpas por estar cumprindo com aquele pequeno ritual. Assinou o nome com tanta pressa que mal se podia decifrá-lo. A morena não pareceu se importar.

- Minhas... Bem, minhas amigas - ela indicou uma mesa com duas outras moças a se desmancharem em sorrisos. - Elas apostaram cinco dólares que eu não ganharia um beijo seu.

- Não queremos que perca cinco dólares, certo? - Educado, Michael inclinou-se para lhe dar um beijo no rosto. A moça, porém, colou os lábios aos dele.

- Eram dez, se fosse na boca - ela explicou, triunfante. Michael ficou desconcertado, mas logo se recompôs e desejou que ela fizesse bom proveito do dinheiro. Christian aproveitou a deixa para "lamentar" a vida dura que certos quarto zagueiros levavam.



Anahí, por sua vez, assumiu um ar sombrio.



"O que fazia ali?" Perguntou-se de repente. O que uma mulher enferma fazia ali ao lado de uma celebridade como Michael? Teve de admitir, porém, que o padrão emocional da semana fora quebrado. Não sentia mais as emoções contraditórias de antes. De fato, naquele momento sentia apenas uma coisa. Simples e imutável. Ciúme.


- Que tal um café? - Mike sugeriu enquanto abria a porta da casa para Anahí. A chuva esfriara ainda mais a noite. - A menos que esteja cansada e prefira ir para...

- Não - ela o interrompeu, às voltas com suas sensações ambíguas.


Queria mas não queria ficar sozinha; queria mas não queria que Michael fosse embora; ansiava por se esconder dentro de si mesma tanto quanto nos braços dele. Desejava... O quê, afinal? Encontrar o sentido da explosão que parecia iminente em seu íntimo? Sim. Apagar a lembrança de outra mulher beijando-o? Sim. Droga, sim!


- Eu... Eu vou preparar o café - ela disse, a caminho da cozinha.

- Espere. Você está bem?

- Claro. - O tom indicava que ela estava tudo, menos bem.


Sem encará-lo, Anahí receava que ele percebesse seu conflito interior e fizesse a pergunta lógica: "Por quê?" À qual não teria resposta, embora a gota d`água tivesse sido o beijo da fã. Ele teria gostado?


É claro que sim! Que homem não gostaria?


Mike ergueu-lhe o queixo. Seus olhares se encontraram. Ele não disse nada, mas Anahí teve certeza de que ele lia ali tudo que ela temia revelar.


- Posso acender a lareira? - Mike perguntou depois de um longo silêncio.


Ela fez que sim e logo dirigiu-se à cozinha, sentindo dores no quadril. Enquanto preparava o café, ouviu o barulho da chuva contra a vidraça entremeado pelo crepitar do fogo na lareira. As labaredas pareciam ganhar vida com fúria instantânea.


Tão instantânea quanto a de seu ciúme? Pela primeira vez ela sentira essa emoção. E não se conformava com isso. Detestava a reação que causava - tensão num momento e vazio no outro. Também não ficava nada satisfeita com a forma como alterava sua personalidade. Normalmente não se deixava abater, como ocorrera durante o trajeto de volta para casa, apesar do esforço em contrário. Fora dominada pela mágoa e ameaçada pelo...Descontrole?, perguntou a si mesma, furiosa. Sim, droga, sim!



Anahí abriu o armário e apanhou uma xícara. Entretanto, com os dedos entrevados devido ao mau tempo, não teve forças para segurá-la, derrubando-a. Cacos se espalharam pelo chão.

Ela ficou imóvel, imaginando se era adequado uma mulher de trinta e dois anos chorar por uma xícara quebrada. Ou um beijo. Ou uma confusão de emoções.

- O que houve? - Mike logo apareceu. - Você está bem?

- Sim. - Ela se mantinha calma, apesar de tudo, mas ao vê-lo abaixar-se para recolher os cacos, gritou: - Não!

Seu tom de voz foi tão estridente que Mike se ergueu de imediato, com ar contrariado.


- Não - ela repetiu em voz baixa porém determinada. - Não preciso que ninguém conserte meus erros.


Michael compreendeu que ela se sentia invadida em sua privacidade, em sua independência. Pelo jeito ela passara a semana inteira lutando para delimitar seu território. E parecia que a batalha ainda não havia terminado.


- Está bem - ele aquiesceu, a voz calma.


Por um momento ficaram apenas e se olhar. Nenhum dos dois falou. Finalmente Anahí apenas se afastou. Andando com dificuldade, foi até a área de serviço, de onde voltou com uma vassoura. Deixou a bengala de lado e, lentamente - tão lentamente que Michael mal se controlava para não interferir -, começou a varrer os cacos. O suor brotava de sua testa enquanto as mãos tremiam, indicando que sentia dor. Essa constatação deixou-o terrivelmente mal.

Mesmo assim não ofereceu ajuda. Permaneceu imóvel, observando-a voltar para a área de serviço e trazer uma pá de cabo comprido. Havia um brilho desafiador em seu olhar quando ela se curvou - reprimindo uma careta de dor - para recolher os cacos. Ao estender o braço, porém, calculou mal a distância e a vassoura rolou para o chão, caindo sobre o monte de cacos e os espalhando novamente.

Lágrimas de frustração e de raiva surgiram nos olhos de Anahí.

Calmo e paciente, Michael se adiantou e apanhou a vassoura.


-Afaste-se.


-Posso fazer isso! - ela protestou, tentando recuperar a vassoura.


-afaste-se, Anahí, por favor.


-Não, eu...


-Quer sair do caminho e me deixar ajudá-la?



Ela ia dizer que não precisava dele, mas a emoção lhe embargou a voz. Além do mais, não tinha certeza se queria dispensar sua ajuda. A ambigüidade voltava, e desta vez levava a melhor sobre ela. Pegando a bengala, Anahí seguiu para a sala. A cada passo, aumentava a dor no quadril. Entretanto, ela não cederia. Nem choraria!

O calor da lareira foi como um bálsamo para seu corpo dolorido. Sentada a poucos metros do fogo, tentou pôr em ordem seus pensamentos. Por que tanta confusão? Afinal, Mike estava apenas varrendo os cacos de uma xícara! Uma mera...


- ... Xícara quebrada - ouviu-o dizer em meio ao seu turbilhão de emoções.


Ao se virar, viu-o parado na porta da cozinha. Seus olhos esverdiados transmitiam calor, pediam compreensão.


- Foi apenas uma xícara quebrada, Anahí - ele repetiu, a voz pausada. - Só varri os cacos. Não a incapacitei de voltar a fazer isso se for necessário. Não tirei sua independência.

- Você não entende. - Ela se virou para o fogo, confusa.

- Tente me explicar.

- Foi... Foi apenas uma semana ruim. E então esta noite..

- Esta noite o quê?


Uma lágrima rolou pelo rosto dela. Todas as emoções reprimidas pareciam prestes a explodir. Precisava controlar-se. Não podia fazer papel de boba e chorar.
- Qual o problema, Anahí? - Ele se aproximou. Podia tocá-la, e queria, mas se conteve.

- Tudo! - afinal desabafou.


Capitulo 9

"Eu tenho de fazer as coisas
Minha própria maneira, querido
Será que você vai me deixar?
Será que você vai me respeitar? Não
Fazer as coisas à minha maneira, querido
Você deveria apenas me deixe
Por que você nunca vai me deixar crescer?
Rihanna-consideration"


-Poderia ser um pouco mais específica? - A pergunta, feita num tom calmo, foi à gota d`água para que a raiva de Anahí eclodisse, numa torrente de palavras e lágrimas.


- Você não devia ter comprado o carro... Eu não esperava que fizesse isso... Está chovendo e sinto dores... Meu corpo todo dói... Então você me carregou no colo escada acima... Eu queria, mas não queria isso... May vai adotar Jason, e estou feliz por ela, mas... Mas... Oh, nem sei o que quero dizer... Além disso, não pude ir dançar, ela beijou você e eu quebrei a xícara e... E... E... Droga, você limpou a sujeira! Eu não queria que fizesse nada por mim!
Mike deixou que ela chorasse por longos minutos e só então comentou:
- Bem, isso certamente esclarece tudo.


- Foi você quem perguntou - retrucou ela.


- Então me desculpe se estou sendo exigente, mas poderíamos analisar seus motivos um a um?


- Não quero...


- Por que discorda de eu ter comprado o carro?


- Não é isso. Quero dizer, fiquei tocada com o gesto... Foi uma das coisas mais bonitas que alguém já fez por mim, mas..


- Mas o quê?


- Faz-me sentir culpada.


- Por quê, se a decisão foi minha? Espera que as crianças que irão para o hotel-fazenda se sintam culpadas por todo o trabalho que você está tendo por elas?


- Claro que não, só que...


- É a mesma coisa, Anahí. E quanto à sua dor, fique sabendo que eu faria qualquer coisa, pagaria qualquer quantia, daria o que fosse preciso para mudar essa situação.


A sinceridade das palavras e a angústia da voz dele provocaram novo acesso de choro em Anahí.


- Você acredita que seria capaz do maior sacrifício para tentar resolver seu problema? - ele insistiu.

- Acredito. - De fato, tanto racional como intuitivamente ela sabia que Michael Jackson não mediria esforços para ajudá-la a superar sua limitação.

- As escadas foram falha minha - ele continuou. - É lógico que você poderia ter subido sozinha, mas por que deveria sacrificar-se por um esquecimento meu? Agora, o que vinha em seguida? Ah, sim, a adoção de Jason por Mayte.


Nesse instante ela o encarou.


- Estou realmente feliz por ela.

- Não duvido que esteja.

- Acontece apenas que... Não sei, minha vida de repente parece tão vazia. Será puro egoísmo meu?

- De maneira nenhuma. Foi exatamente como me senti quando descobri que minha esposa ia se casar de novo. Fiquei feliz por ela, sinceramente feliz, porém de repente senti esse vazio em minha vida. Era como se Lisa continuasse a viver enquanto eu permanecia estagnado.


Anahí ficou tensa ao ouvir a menção a Lisa Marie, mas relaxou ao perceber que Mike não a amava mais. Sentia-se bem mais segura com a indiferença dele à bela modelo.


- Você queria realmente ir dançar?


- Eu também não. Diga-me uma coisa, Anahí... Sim ou não. Se eu tivesse machucado a perna e deixasse cair uma xícara e me fosse difícil recolher os cacos, você faria o trabalho por mim?


- Sim, mas...


- Nada de mas. E assunto encerrado. Quase... Há ainda a questão do beijo a discutir.


Anahí voltou-se em direção à lareira, maldizendo-se por ter tocado no assunto.


- Isso não é da minha conta. Eu não devia ter falado. Eu...


Mike apoiou as mãos na lareira, aprisionando-a no círculo de seus braços. Não a tocava, contudo Anahí sentia como se ele estivesse percorrendo-lhe o corpo com carícias enlouquecedoras. Fechou os olhos, tentando afastar esses pensamentos.


- Trata-se de ossos do ofício - Mike explicou, a voz baixa, romântica. - Incidentes como o desta noite não ocorrem com freqüência, mas ocorrem. Mas não significam nada, absolutamente nada para mim. - Ele se aproximou um pouco mais, o corpo quase tocando o dela. - Nem sei como era a moça. Se era atraente ou não...


- Era - Anahí observou, provocando o sorriso dele.


- ... ou se era loira, morena, ruiva...


- Morena.


- O que vestia...


- Um vestido azul... que, aliás, parecia um número menor que o manequim dela.

- A questão, Anahí - Mike mal continha a satisfação diante da descoberta de que ela estava com ciúme -, é que não guardei nada daquele beijo. - Dizendo isso, encostou os lábios na orelha de Anahí, arrepiando-a. - E sabe por quê?


Ela abanou a cabeça, incapaz de falar, enquanto ele lhe beijava o pescoço, a nuca, os cabelos.


- Porque não era um beijo seu - Mike continuou, sem interromper as carícias. - Que são os únicos que me interessam guardar.


Ela suspirou, enlevada com a sensualidade do momento.


Voltou-se para ele, sentindo o coração bater cada vez mais forte. Também estava trêmula e mal reprimia o desejo de abraçá-lo, de aninhar a cabeça contra o peito forte.


- Sinto muito - murmurou depois de alguns instantes.

- Por quê?

- Por esta noite. - Seus lábios se roçaram outra vez. - Foi uma semana difícil.

- Quer saber por que Anahí? - Como ela não respondesse, Mike continuou: - Porque você passou esses últimos dias lutando contra si mesma. Não faça mais isso. Não tente alterar o rumo do que está havendo entre nós. Apenas deixe acontecer...

Mal concluiu a frase, Michael o tomou-a nos braços, apertando-a mais e mais até nenhum dos dois saber, ou se importar em descobrir, onde começava o corpo de um e terminava o do outro. Beijavam-se com o ardor da paixão, preocupados apenas em aproveitar o momento.

Depois de algum tempo, ele a ergueu nos braços e a levou até o sofá. Anahí deu um suspiro de alívio ao se acomodar sobre as almofadas macias.

- Onde está seu analgésico? - Mike indagou.

Ela quis argumentar que não precisava do medicamento, pois não gostaria que nada turvasse sua mente naquele momento, mas ele se manteve firme:

- A questão não é se você quer o comprimido, mas onde está.

- Ah, não é justo ler minha mente, Michael! - Ela sorriu.

- Não tenho a menor intenção de bancar o justo com você, minha querida. E então, onde está?

- Na minha bolsa. - Ela o seguiu com o olhar até o local indicado, viu-o desaparecer rumo à cozinha, de onde voltou com um copo d`água.

- Pronto, tome isto. - E estendeu-lhe dois comprimidos.


Anahí se ergueu sobre o cotovelo e tomou o analgésico.


- Agora continue deitada e deixe o remédio surtir efeito. Ficarei aqui até você se sentir melhor.


Mike sentou-se na borda do sofá. Para ela pareceu natural ficarem tão juntos um do outro. Aquele homem lhe transmitia segurança, muito embora... Muito embora tivesse razão ao acusá-la de lutar contra o que acontecia entre os dois. Por outro lado, porém, ela não sabia como reprimir esse anseio de luta. Em seu íntimo reinava o medo de gostar e perder.

Era impossível se interessar apenas um pouco por Michael Jackson. Nenhuma mulher conseguiria essa façanha. Ele era tão bonito. Tão divertido. Tão terno.

Ao lhe tocar a face, Anahí surpreendeu tanto a si mesma quanto a ele. Na verdade nenhum dos dois esperava pelo gesto. Havia apenas... Acontecido. E era tão bom! Sua mão deslizou pela pele bem barbeada do rosto dele. De qualquer modo, aquele homem também era diferente. Suas vidas quase nada tinham em comum. Mas, Deus, como o desejava...

Mike tomou-lhe a mão entre as dele e beijou-a carinhosamente. Depois roçou os lábios pelo seu pulso e por toda a extensão do braço. A cada carícia, mais e mais ela ansiava por ser tocada. E como fosse capaz de ler sua mente, Mike continuou percorrendo com a boca o seu ombro, o pescoço.


- É esse o perfume que lhe dei? - ele indagou, o nariz encostado em sua orelha.


- Sim.


- É gostoso. Muito gostoso. - Então ele a beijou na boca, um beijo profundo e sensual.


Em resposta, Anahí puxou-o mais para junto de si, o corpo ardendo de desejo, a mente distante de qualquer censura.


- Michael...


- Assim, minha querida, é como se deve dizer meu nome.


Ela abriu os olhos e fez menção de falar.
- Não diga nada, Any. Apenas deixe acontecer. - Ao se inclinar sobre ela, pressionou-lhe o quadril com força, levando-a se encolher instintivamente. - Machuquei você?


- Só um pouco.


- Desculpe-me. - Ele tocou-lhe a parte superior da coxa, à procura da junta dolorida. - É aqui?


- Não, mais para o lado. - E guiou a mão dele para o local.


- Dói? - Mike se referia à massagem que fazia sobre o músculo.


- De jeito nenhum. Ao contrário. É bom... Tão bom.


A mão que deslizou sob o vestido parecia tão ansiosa por confortá-la que Anahí sequer abriu os olhos ao senti-la subir-lhe pela perna.
Quando ele voltou a massagear a junta dolorida, por cima das meias, ela suspirou de prazer. Aqueles dedos fortes agiam com delicadeza, exercendo cuidadosa pressão em círculos.


Naturalmente, a carga de sensualidade daquele toque atingia os dois ao mesmo tempo. De um momento para o outro ambos tinham a respiração alterada, revelando o desejo reprimido.


Porém, Mike leu algo mais nos olhos de Anahí: a dúvida. Isso, somado às circunstâncias, inibia qualquer iniciativa de sua parte. Levantando-se devagar, ele disse:


- Eu.... Eu acho melhor ir embora.


- Antes que a chuva o prenda aqui?


- Não, antes que eu faça amor com você.


Muito depois que ele havia saído, e apesar de o comprimido lhe provocar sonolência, Anahí continuava acordada. Perguntas desfilavam por sua mente uma lista sem fim: que tipo de amante Mike seria? Como dizer a um homem que se quer fazer amor com ele, mas não sabe se conseguirá? Como contar-lhe que outro já a considerara menos mulher?


Apenas uma vez na vida Mike sentira tanto embaraço quanto naquele restaurante: na noite de seu primeiro encontro com uma garota, quando havia tentado colocar um broche em seu vestido sem lhe tocar os seios. Agora também não sabia o que fazer com as mãos e as palavras lhe fugiam.

***

- Anahí está bem? - indagou Mayte, percebendo o que acontecia.


Era o começo da tarde do dia seguinte, um sábado ensolarado após uma noite chuvosa. Ele telefonara logo cedo para Mayte e a convidara para almoçar, dizendo apenas que precisava conversar com ela.


Diante da surpresa estampada no rosto dele, a fisioterapeuta sorriu.
- De quem mais você ia querer


- É verdade. De quem mais? Eu... bem, eu gostaria de saber sobre as limitações de Anahí. - Ele hesitou antes de especificar: - Suas limitações sexuais.


Mayte reprimiu o riso diante do embaraço de um homem normalmente tão confiante.
- Achei que você, como profissional que é, e a melhor amiga dela...


- O que gostaria de saber?

- Qualquer coisa. Tudo. Contra o que devo lutar?

- Na minha opinião, tanto pessoal quanto profissional, o que você tem contra si é menos físico do que emocional.

- Foi o que imaginei. - Ele reviu mentalmente a dúvida nos olhos de Anahí na noite anterior, talvez reflexo de lembranças dolorosas.

- Vamos falar sobre o lado físico primeiro - Mayte sugeriu. - Nesse aspecto, Anahí sente as mesmas carências que qualquer outra mulher. A doença não afetou sua libido, apenas a deixa indisposta, pelo menos parte do tempo, de modo que talvez não desejará fazer amor tanto quanto você. O tipo de artrite do qual ela sofre é sistêmico, o que significa que envolve o corpo todo.

- Ela me explicou isso.

- Pois é. Então, há épocas em que ela não se sente bem e épocas em que parece uma pessoa absolutamente sem problemas. É claro que as juntas da bacia não suportam a pressão que as minhas ou as suas agüentam, o que limita um pouco seus movimentos. Mas volto a repetir que isso não restringe o desejo nem o desempenho sexual.

- Em resumo - Michael superava o constrangimento diante da objetividade de Mayte -, Anahí é capaz de ter uma vida sexual normal desde que encontre um parceiro gentil e criativo.

- Exatamente. É tudo uma questão de cuidado, porém sem exagero. - Mayte tirou da bolsa papel e caneta. - Vou lhe dar o nome de um livro publicado pela Fundação de Pesquisas sobre Doenças Reumáticas. É uma obra excelente. Recomendo-a para todos os meus pacientes artríticos e seus familiares.



Capitulo 10


"Não vá embora
Veja eu apenas não consigo encontrar as coisas certas para dizer
Eu tentei mas toda a minha dor fica no caminho
Diga-me o que eu tenho que fazer para você ficar
Devo eu descer de joelhos e rezar


E como eu posso parar de perder você
Como eu posso começar a dizer
Quando não há mais nada a fazer senão ir embora
Eu fecho meus olhos
Só para tentar ver você sorrir mais uma vez
Mas tem sido assim tanto tempo agora tudo que faço é chorar


Don´t walk Away-Michael Jackson"



-Obrigado, eu o lerei.

- O tema é a adaptação pessoal, a experimentação. No momento, por exemplo, nem a própria Any sabe ao certo suas limitações.

- Como assim?

- Acontece que nos cinco, quase seis anos que nos conhecemos, você é o único homem que Any deixou se aproximar tanto dela. - Michael não conteve um sorriso maroto.

- Na verdade não creio que ela me deixou chegar tão perto. De certa forma invadi sua vida.

- Uma mostra da teimosia irlandesa de que tanto ouvimos falar?

- Talvez. Mas por que aconteceu isso?

- Qualquer coisa que eu dissesse a respeito seria apenas palpite. Ela me contou tão pouco sobre o assunto!

- E qual seu palpite?

- Assim que nos conhecemos, ela mencionou que já tinha sido noiva.

- E o que aconteceu?

- A única coisa que sei ao certo é que foi ela quem desmanchou o noivado. Só que nunca me contou por quê. Na verdade Any evita como pode o assunto. Minha opinião é que o sujeito não soube lidar com a doença e de alguma forma feriu seriamente o ego dela... Tão seriamente que ela não acredita mais que um homem possa de fato achá-la atraente.

- Só se fosse cego!

- Você sabe que uma mudança na aparência física pode também alterar a auto-imagem de uma pessoa. Acrescente a isso uma experiência traumática qualquer e... E você tem Anahí.

- Uma mulher independente e forte, que tenta a qualquer custo dispensar ajuda alheia.

- Certo.

Na noite anterior, porém, Michael tivera a nítida impressão de que Anahí precisara dele. Para aliviar uma dor da qual não se livraria sozinha. Para fazerem amor até saciarem os corpos de prazer. E então adormecerem em paz um nos braços do outro.

- Eu lhe desejo boa sorte - disse Mayte.

- Nem precisa me desejar sorte; um irlandês já nasce com ela.
Além disso, é teimoso demais para se contentar com pouco.


****


- O que aconteceu? - Michael indagou naquela noite, quando Mayte abriu a porta da casa de Anahí, antes mesmo que ele tocasse a campainha.

Tinha feito reserva no Antoine`s para as oito. Eram sete horas agora, e algo na expressão sombria do rosto de Mayte lhe dizia que o jantar com Anahí estava cancelado. Assim como a noite romântica que planejara.

- Any não está bem - May explicou.

- Falei com ela agora há pouco e parecia... - Na verdade, ao lhe telefonar, Michael tivera a impressão de que Anahí sentia dor; entretanto, ela havia insistido em saírem naquela noite. - Eu devia ter adivinhado...


- Não se culpe. Ela esconde o que sente o tempo todo. Nunca se sabe ao certo qual a situação real.

- Como ela está?

- Sente dores por todo o corpo. Mas não se impressione - Mayte advertiu, considerando que ele jamais vira Anahí em crise -, pois a doença é cíclica. Sempre retrocede. Em questão de horas ou dias, a fase ruim passará.

- E até lá?

- Temos de recorrer aos remédios. Acabei de lhe aplicar uma injeção. Logo, logo, a dor começa a ceder. Any me pediu para lhe telefonar a cancelar o encontro. Praticamente me implorou para fazer isso. - Naquele instante nascia uma nova amizade.

- Obrigado, May. Devo-lhe um favor.

- Em absoluto. Temos o mesmo interesse: salvar Anahí de si mesma.



Ao ouvir um débil chamado vindo do quarto, May se apressou em atendê-lo.
Michael seguiu-a, embora permanecesse discretamente na porta. Ele prendeu a respiração ao ver Anahí pálida, com um ar tão vulnerável.

- Conseguiu... Conseguiu falar com ele? - Mal se ouvia sua voz.

- Quer parar de se preocupar com Michael Jackson ? - Mayte censurou num tom amigável.

- ... Não quero que ele... Me veja assim...

- Fique quieta e deixe o medicamento agir.

- ... As crianças... o que farei, May? Onde encontrarei outro lugar... Tão em cima da hora?

- Não se preocupe com isso agora. - A amiga lhe apertou a mão. - Tente descansar, está bem?

- Eu... Eu... Christian... Você se atrasará... - Então Any adormeceu sob efeito da injeção.


May certificou-se de que ela estava realmente dormindo, antes de voltar para a sala.

- A que ela se referia em relação às crianças?

- Ligaram do hotel-fazenda à tarde para avisar que estavam fechando as portas. Alegaram que era impossível sustentar o negócio com a crise econômica atual etc, etc. Por isso estavam se esquivando de enviar a carta de confirmação. Não esperavam ser obrigados a tomar uma medida tão drástica, mas...

- Droga! - Michael não se conteve.

- Realmente. Não foi uma notícia boa para Anahí, sobre tudo a tão pouco tempo do evento.

- Esse transtorno deflagrou a crise? - Ele se lembrava de Anahí ter mencionado a influência da tensão na doença.

- É bem possível. Além do fato de Any estar trabalhando demais.

Michael então procurou se inteirar das características do local de que Anahí precisava para as crianças e em seguida mudou de assunto:
- Você tem um encontro com Christian?

- Claro, obrigada por me lembrar. Preciso telefonar para ele para cancelar o programa.

- Não é preciso. Passarei a noite com Any, quer você fique ou não.

May hesitou.
- Ela não vai gostar que nenhum de nós fique.

- Vamos jogar conforme as minhas regras desta vez.

- Sabe, Michael Jackson, acho que vou gostar de você.

- Ótimo. Pois tenho a impressão de que precisarei de um aliado.

Para evitar que o toque do telefone acordasse Anahí, combinaram que Michael lhe telefonaria às dez e meia, a fim de avaliarem a situação e adotarem o plano de ação mais adequado.
Caso Anahi estivesse com muita dor, May voltaria para lhe aplicar outra injeção. Do contrário, recorreriam a um analgésico comum.

Após a saída de May, Michael apagou as luzes da casa e voltou para o quarto iluminado apenas pela luz do corredor.
Anahí continuava dormindo, embora seu sono fosse intranqüilo. Ele tirou o paletó e se preparou para uma longa noite de vigília.

- May? - Anahí chamou de repente. - May? Conseguiu... Conseguiu falar com ele?

- Mayte não está aqui, querida. - Michael se agachou à meia-luz.

Por um momento ele teve a impressão de detectar uma nota de contentamento em sua voz. Entretanto, se assim foi, logo deu lugar à angústia.

- Não! - Ela virou o rosto. - Por favor, vá embora. Não quero que você... Me veja... Estou horrível.

- Você sempre está bonita para mim. - E segurou-lhe o queixo delicadamente, obrigando-a a encará-lo.

- Eu... Eu sinto muito por esta noite.

Michael sorriu, embora só Deus soubesse como era difícil sorrir vendo-a sofrer tanto e ainda pedir desculpas por isso!

- O Antoine`s não sairá do lugar. Não faltará oportunidade para jantarmos lá.

- Michael...

- Shh, volte a dormir agora.

Talvez Anahí não se desse conta de que entrelaçava os dedos aos dele, mas o fato era que ela lhe apertava a mão com força surpreendente. Os minutos se passaram lentamente, e há muito Michael sentia as pernas doloridas da má posição em que se encontrava, quando afinal o contato afrouxou. Erguendo-se, encostou a poltrona na borda da cama e, ao longo das horas seguintes, ficou apenas a observá-la.

Notou cada tremor de suas pálpebras, cada espasmo súbito do corpo nos momentos em que a dor desafiava o analgésico. Ouviu suspiros ocasionais seguidos de gemidos que revelavam sofrimento.

Enquanto estava ali, emoções desconhecidas o tomavam de assalto. Revoltava-se contra a própria impotência em ajudá-la, restando-lhe apenas esperar até julgar que não aguentaria mais. E se descontrolar. Pela primeira vez, então, compreendeu, realmente compreendeu, o que Anahí sentia em relação à doença. E lhe dava razão. Aquela perda de controle era assustadora. O medo nascia da consciência de não haver apelo. Não se podia racionalizar com a situação, nem implorar por misericórdia. Simplesmente existia. Para ser suportado com toda a dignidade da alma.

Instintivamente ele quis fugir desse horror injustificável, mas de uma forma misteriosa e complexa sabia que apenas fugiria de si mesmo. De um modo que desafiava todas as leis, exceto as do coração, de um modo que desafiava o pouco tempo em que se conheciam, haviam se tornado um só. Anahí preenchera o vazio dentro de si; com seu sorriso, seu suspiro, seus beijos. Assim como com a inteligência, a sensibilidade, o orgulho e a dignidade, acima de tudo, porém, simplesmente por existir.

Pouco antes das dez, ela deu mostras de inquietação. A princípio apenas gemia, depois passou a balbuciar palavras inteligíveis se mexer, fazer caretas e tentar se virar, evidentemente por causa da dor.

Mais uma vez Mike correu para o seu lado.
- Você está bem, querida?

- Mike ? - Ela mal conseguia abrir os olhos.

- Sim, querida.

- Michae l? - Ela molhava os lábios secos. - Dói.

- Onde?

- Em toda parte...

Percebendo que ela tentava tocar o quadril, Michael afastou as cobertas e passou a mão no local indicado. Soube quando localizou a junta dolorida ao provocar um gemido, desta vez de alívio.
Massageou a região por cima do tecido fino da camisola. De repente, porém, parou e correu até o banheiro. Voltou em segundos, trazendo um tubo de linimento e uma almofada térmica, que ligou a uma tomada. Puxando a camisola para cima, aplicou o medicamento na coxa de Anahí e se pôs a friccioná-lo na pele.


Aos poucos ela sentiu a fragrância mentolada do linimento, simultânea à sensação de alívio provocada pela mão estranhamente tão macia quanto calosa. Seria de Michael? Sim, era... Mas ele não devia vê-la naquelas condições... Não devia... Por outro lado, era tão bom... Tão repousante o que ele fazia...

Depois de ajustar a almofada térmica sob o corpo dela, Michael continuou com a massagem. Anahí se aquietava outra vez; sua respiração voltava ao ritmo normal. Dez minutos mais tarde, já não reagia. Adormecera.

Pé ante pé, ele foi até o telefone e ligou para Mayte. Tocou duas vezes antes de Christian atender.

- Michael, como ela está?

- Dormindo.

- Se houver alguma coisa que eu possa fazer...

- Obrigado.

- Vou passar o fone para May.


Michael a informou sobre o estado de Anahí.
- O fato de ela ter voltado a dormir é um bom sinal. A injeção que lhe apliquei deve estar perdendo o efeito a esta altura, portanto, se Anahí se acalmou é obviamente porque sente menos dor agora. Vamos tentar passar apenas à base de comprimidos. Da próxima vez que ela se inquietar, dê-lhe...

Michael ouviu as indicações com atenção.
- Se precisar de mim, telefone - Mayte finalizou.

- Está bem.

E ele retornou à poltrona ao lado da cama. Passava das onze e meia, quando foi vencido pelo cansaço e adormeceu.

continua...

19 comentários:

  1. Nossa deve ser horrível sentir dores assim. E agora ela não vai mais ficar tão sozinha, mas depende dela deixa e o Michael entrar na vida dela.
    :D

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  2. Não pare de postar, eu gostei muito da fic.
    Continua...

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  3. Realmente a doença limitando-a é frustrante pra ela, e o Michael perto a confunde mesmo. Mas ela tem que ver que ele está ai pq gosta e vai cuidar dela.

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  4. Que linda a fic! To adorando!. Continua

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  5. Ele vai ser carinhoso tenho certeza.
    Continua...

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  6. Eu me vejo um pouco no lugar de Anahi, sinto dores terriveis na coluna que enrradia pela perna esquerda, ja operei e pioraram as dores a 22 anos vivo assim medicamentos na ha mais pra mim. E vivo a minha vida a cada dia um dia com mais dores e outros menas dores. Continua to amando a fic, ela precisa ser curada.

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  7. Voce nao vai terminar, esta otima porfavor termine.

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